A MOÇA E O DRAGÃO DA CAVERNA DOS SUSPIROS
Um
mistério enorme recobre a Caverna dos Suspiros. Até Pai Lula contou com todos
os detalhes uma lenda a respeito, recolhida de um certo Olavo Dantas. Nesse dia,
todos foram tomados de tremendo pavor. Mesmo assim, Nitolino não se satisfez e
ficou, vez por outra, perguntando pro avô adonde que ficava a tal caverna.
-
Lá longe! -, respondia Pai Lula apontando pro horizonte.
-
Quero ir lá!
-
Você tá doido, menino?
-
Tô não, Pai Lula, quero ver a cara do dragão e salvar a moça linda que ficou prisioneira
desse desgraçado!
Pai
Lula se riu bastante. Esse menino sai com cada uma, hem?
É
que se conta nas noites de lua cheia da enorme e sombria caverna do Funil – a Caverna
dos Suspiros -, localizada ao sopé do monte da fortaleza dos Remédios, em
Fernando de Noronha.
Contam
os que já se arvoraram aproximar daquelas paragens, chegando lá perto, ouvem-se
estrondos, mais parecem avalanches que abalam toda redondeza, afugentando os
curiosos e desavisados. Um lugar jamais penetrado, causando temores e arrepios.
Os canoeiros recusam-se de ir praquelas bandas; os habitantes tremem só de
ouvir o nome do lugar e sequer ousam falar a respeito. Silêncio e pavor rondam toda
localidade.
Dizem
que lá está guardada uma fabulosa riqueza que foi deixada pelo pirata inglês
Kid, fugitivo de uma perseguição nos tempos de antanho. Acontece que o erradio
navegador, para se safar da prisão, lá aportou, descarregando às pressas o
tesouro de seu galeão abarrotado de ouro e riqueza, produto de saques e
abordagens em muitas navegações pilhadas por suas astúcias malévolas. Diligente
na fuga, lá deixou tudo enterrado. Ao sair furtivamente, foi rodeado por uma
cilada, perseguido, alcançado e posto a pique. Era uma vez...
Dizem
também lá existir um enorme e terrível dragão que monta guarda na defesa do
tesouro do pirata. Esse dragão malvado foi visto uma única vez, quando
arrebatou na beira da praia uma linda moça filha de um sentenciado, arrastada e
tornada prisioneira até hoje na caverna.
Nitolino
não se contentava com isso, queria tirar a prova dos nove, mostrar ao dragão
quem é que manda e salvar, definitivamente, a linda moça refém dessa ruindade. Todavia,
a quem ele procurasse para seguir na empreitada, ninguém aceitava. Recusa
geral. Só sobrou o Lobisomem Zonzo que por ser quem é, aceitou.
-
Lub, tu sabes onde é a tal Caverna do Suspiro? -, perguntou Nitolino. Em
resposta, fez-lhe movimento em nuto positivo. – Beleza! Então amanhã cedo
partiremos e viva a aventura!
O
zonzo lobisomem alegrou-se e bateu palmas, rodeando a si mesmo atrás do rabo,
em efusiva comemoração. Que bicho mais doido!?!
Já
findava a tarde e eles se despediram marcando ali cedinho bem na hora dos
primeiros raios do sol da manhã. Assim foi.
Na
hora aprazada se encontraram e seguiram rumo incerto e não sabido. O zonzo na
frente, o Nitolino atrás, seguindo-lhe os passos. Encheram a rodagem de pernas
pela manhã toda, almoçaram o que encontraram: jaca, fruta-pão, cajus, ingás.
Prosseguiram fazendo rastro pela tarde, levaram parte da noite nos peitos e
arrearam arranchando numa chã enluarada. Foram acordados com o brilho intenso
do sol, enchendo o bucho com água de coco, sinal de que estavam nas
proximidades do litoral.
Chegando
à praia, o zonzo fez uma jangada dumas palhas de coqueiro e seguiram remando
mar adentro. Já passava do meio dia quando o zonzo teve que dar uns ataques embaixo
da água trazer alimento. Como não podiam fazer fogo na jangada, comiam peixes
crus para matar a fome. Enfim, já quase varando a madrugada, chegaram a
Fernando de Noronha, saíram às carreiras e atacaram os coqueiros quase mortos
de sede. Dormiram ao relento e se acordaram com a água da maré alta invadindo
tudo de quase matá-los afogados. Olharam um pro outro e seguiram à risca o
traçado.
À
certa altura da caminhada começaram a ouvir uns pipocos. Zonzo fez sinal que
logo Nitolino entendeu ser logo ali mesmo a hora próxima da chegada.
Ouvia-se
um suspiro lamuriento no ar, um vento tormentoso com uma voz feminina lamentosa
ao fundo bem distante.
O
caminho de difícil acesso era dificultado pela penetração do mar violento
castigando nas adversidades.
Perseguiram
resolutos e quase enterram os pés de medo quando ouviram prantos longínquos fazendo
eco na pedraria.
No
maior tremido de dentes e pernas chegaram ao morro. Hesitaram, mas se
mantiveram firmes e entraram pela curiosa gruta, seguindo pela trilha do
passômetro do oficial da Marinha, Heitor Perdigão.
Lá
dentro o ar era difícil, tudo muito escuro.
Nitolino
seguia as pegadas do zonzo sem nem vê-lo mais à frente, vez que não se
enxergava nada. Andaram. Andaram. E mais andaram. Quanto mais adentravam mais
ficava difícil respirar.
No
meio do vento quente, soprava às vezes uma ventania fria de arrepiar todos os
pelos e ânimos.
De
repente, um calor de lavar do cocuruto ao rés da sombra do calcanhar. E agora? Vai
ou volta? Só dava pra ver o branco dos aboticados olhos. Como é? O zonzo
puxou-lhe pela manga da camisa e seguiram os quase destemidos. E quanto mais avançava
nas profundezas do antro, maior o calor e a escuridão com suspiros
ensurdecedores, com bafejos horripilantes, morcegos voando, corujas rasgando
mortalhas, gemidos fúnebres, piados agourentos, pisadas perseguidoras,
estalidos estonteantes, ronronadas bravias, solfejos tétricos, quenturas,
bramidos, maus presságios. Ah, deram conta de uma luz lá longe no final do
túnel. E quanto mais se vencia um centímetro que fosse, mais aquela claridade
se tornava diminuta e remota.
-
Lub, isso não tem fim? -, perguntou Nitolino. Realmente, pelo andar das coisas,
parecia mais que aquilo não tinha fim ou iam dar no centro da terra. Será? Foi
quando Nitolino lembrou-se da viagem de Julio Verne. Isso mesmo!
-
Vamos, Lub, vambora que o centro da terra chega já!
O
zonzo só fazia impar de medo e caminhar, puxando pela mão dele. E mais andaram
quando se certificavam que luzinha mais amiudava.
-
Vixe! Quanto mais a gente vai, mas tudo fica mais longe, é? -, perguntou
Nitolino invocado!
O
zonzo fez-lhe um gesto esticando o beiço inferior para dar uma ideia da distância.
Foi aí que aumentaram a passada no meio da maior barulheira que causava terrores
apavorantes.
-
Não seja frouxo, Lub! Vamos adiante!
Zonzo
já botava um palmo de língua pra fora da carreira dada quando, enfim, a luz
fez-se mais forte, clareando tudo. Ah, há!
Era
o fogo do dragão.
Pernas
pra que te quero voltando uma lapada de terra pra se esquivar do fogaréu.
Acharam
uma fenda numa banda das paredes, esconderam-se ali tremendo que só vara verde para
não serem tostados.
Dali
a pouco, no meio da escuridão só dava se ouvir o batido dos ossos de cada um.
Foi
aí que o zonzo puxou de vez por Nitolino e empurrou-lhe para outra vala lateral
e foi-se. Parecia que o bicho ia enfrentar o dragão. E foi mesmo.
Escondido,
Nitolino atocaiava tudo de fininho, dando pra ver o zonzo aos pulos se livrando
do fogo do dragão. Numa das escapadas, deu pra ver uma linda moça sentada à
beira de uma cachoeirinha, segurando uma rosa. E tudo escurecia de novo de só
se ouvir o impado do zonzo e o bafejo do dragão. Eita!
Lá
pras tantas, quando Nitolino tentou conter os nervos trêmulos, deu de cara com a
aproximação do dragão, percebendo no meio de tudo as astúcias do zonzo em
cansar o monstro. Mas, pra nossa infelicidade, o dragão deitou suas patas
fechando o círculo pro zonzo encostado na parede, de deixá-lo sem saída e
pronto para abocanhá-lo. E quando bateu a cauda para dar o ataque final,
ouviu-se um grito do zonzo que fez o horrível dragão parar. Deu pra ver o
conferido todo.
Era
o zonzo fitando atentamente olho no olho do bicho, encarando mesmo encostado à
parede sem ter como se livrar daquela situação.
Contudo,
dava pra notar que na conferência do dragão, havia a descoberta de certa
familiaridade que o fez mudar de feição. O zonzo olhava-o firme, mas tremendo.
As fitadas demoraram como se ambos não soubessem o que fazer ou o agigantado
malfeitor buscava na memória algo de familiar naquela sua presa.
Zonzo
fez lá salamaleques e, de repente, o dragão soltou uma gargalhada e se pôs
balançar o rabo. Foi se aproximando, se aproximando, se aproximando e... deu
pra ver o dragão dando um beijo no zonzo. Como? Vôte! Foi isso mesmo. E beijou,
beijou, beijou... a moça linda da pequena cachoeira batia palmas, parecia mais festejar
aquele encontro.
Envolvido
em zis carícias e chamegos, logo o zonzo abraçou o rosto do dragão
correspondendo os beijos. Pareciam dois namorados. E eram mesmo, de anos
afastados.
Aos
poucos Nitolino foi perdendo o medo e se aproximou dos dois. Logo viu um ar de
malquerença no dragão. Zonzo interveio tentando demonstrar tratar-se de um
amigo. Foi quando viu que a moça linda se aproximou pra dizendo: - Meu herói!
Veio me salvar! Ôxe! Ficou todo ancho por constatar seus sonhos realizados:
tornar-se super-herói!
De
um momento que dava do mais profundo terror, virou festa. O zonzo ficou
dançando com o dragão que depois se soube pelos esclarecimentos dados pela moça
linda, ser, na verdade, uma dragoa e namorada do Zonzo de infância. Aí ela contou
tudo, como viviam, como estavam vivendo ali há tantos anos de séculos e ela
linda desde que fora capturada. Foi aí que se soube que, como o Lobisomem
Zonzo, o dragão – ou melhor, a dragão-fêmea - só queria alguém para brincar.
Entrou
pela perna pinto, saiu pela perna de pato, o seu rei mandou dizer que entrasse
outro ato!
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