Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
(Bola de meia, bola de
gude, Milton Nascimento/Fernando Brant)
PAIS, MÃES, CRIANÇAS E BRINQUEDOS....
Luiz Alberto
Machado
Desde menino que eu sempre fui de brincar
– isso, ainda hoje: um cinquentão que não passa de um menino travesso dos
tempos de antanho, avalie! Minhas irmãs que o digam, elas sabem.
As minhas brincadeiras da meninice era
rodar pião, virar bundacanasca, burra-cavalo (uma cabeça de cavalo de plástico
enfinhada num cabo de vassoura!), esconde-esconde, soltar papagaio (maior pipa
enrolada nos galhos das árvores no quintal!), me atrepar no pé de goiabeira, jogar
rolimãs e ximbras, plantar bananeira, travessuras muitas, aprontações e
reinações de um menino traquino: demais.
Quando não era Pai Lula todo dia com um
brinquedo novo pra mim: bonecos de barro, cataventos, Mané-gostoso, bolas e
jogos de todos os tipos. E melhor ainda quando ele me sentava no seu colo e
começava a contar umas histórias inventadas que eram para lá de engraçadas.
Sempre adorei ouvir estórias. Minha avó Benita também, que não sabia história
alguma, inventava umas bem doidinhas que eu morria de rir e, na hora de dormir,
eu não pregava o olho querendo mais, até ela me dar uns bregues e eu ter de
dormir a pulso.
Claro que eu tinha um amigo invisível com
quem eu brincava de super-herói! E com esse amigo eu trelava de tudo, amarrando
uma toalha qualquer no pescoço e inventando de querer voar. E como brincava...
Nunca fui achegado às armas. Muito
embora, quando eu estava pelos quatro anos de idade, o Exército houvera
instalado um batalhão num prédio vizinho da minha – isso era 1964 e aqueles
anos tenebrosos - e eu via os soldados com aquelas coisas que não me chamavam
atenção. Meu pai, mesmo possuindo posses e sendo colecionador de armas, nunca
me dera a oportunidade de ter a atenção desviada para isso. E como lá em casa
possuíamos a única televisão da rua, a meninada toda queria mesmo era assistir desenhos
animados.
Na verdade eu, quando menino, era mesmo
como o Walter Benjamim dizia: “Sabemos que
para a criança ela é a alma do jogo; que nada a torna mais feliz do que o “mais
uma vez”. [...] Para ela,porém, não
bastam duas vezes, mas sim sempre de novo, centenas milhares de vezes”. E
era mesmo: eu tinha a cabeça nos ventos, a imaginação à solta, inventando todo
dia como e o que brincar. Eu e o meu amigo invisível.
Fiquei feliz
mesmo com O meu pé de laranja lima, do
José Mauro Vasconcelos, quando descobri que não só eu, mas também o Zezé tinha
um amigo invisível e conversava com as plantas e árvores. Talqualzinho eu. E,
como eu disse, ainda hoje sou menino e ainda tenho os meus brinquedos que são,
evidentemente, muito diferentes dos de hoje em dia. Mas gosto de brincar com as
crianças de o que é-que é, adivinhas, trava-línguas, encenações inventadas,
coisas e coisas que eu fazia quando era menino mesmo. Por isso, hoje sou mais
Nitolino que eu mesmo.
Achei superinteressante
quando a Eliete Lemos
Cardoso disse: “A brincadeira
contribui para o processo de socialização das crianças, oferecendo-lhes
oportunidades de realizar atividades coletivas livremente, além de ter efeitos
positivos para o processo de aprendizagem e estimular o desenvolvimento de
habilidades básicas e aquisição de novos conhecimentos. As brincadeiras
aparentemente simples são fontes de estímulo ao desenvolvimento cognitivo,
social e afetivo da criança, e também é uma forma de auto expressão. Talvez nem
todos os professores tenham percebido ainda o quanto é importante o brincar
para o desenvolvimento físico e psíquico do seu aluno. A ideia difundida
popularmente limita o ato de brincar a um simples passatempo, sem funções mais
importantes do que entreter a criança em atividades divertidas”.
Aí veio a Ana
Marta Meira que me chamou a atenção para: “[...] Suspender o
tempo e brincar é hoje um ato de extremo desafio que as crianças tem de
enfrentar frente à avassaladora rede de aparelhos virtuais que invadem sua
vida, anestesiando seus movimentos corporais e seu pensamento [...] O brincar é tecido por histórias e a
travessia pelos brinquedos feitos com arte, elaborados com as mãos das crianças
e dos adultos que as cercam, representa uma via possível de construir suas bordas.
Brinquedos artesanais que se encontram nas primitivas formas de brincar que as
crianças buscam e que paradoxalmente hoje lhes são subtraídas: a água, a terra,
a areia, as folhas, as pedras, o papel, e tantos outros materiais que se
encontram nas inúmeras vias invisíveis por onde elas transitam em seus
exercícios de invenção. Materiais que são colados pelas palavras, gestos,
histórias, narrativas, que tecem sua forma fundando uma obra ali onde apenas
havia objetos”.
Por isso Ruy Rocha faz a seguinte indagação: “[...]
Mas o que afinal está acontecendo? A violência
teria tomado conta do cotidiano humano? Por que tanto avanço tecnológico não
atenua os gravíssimos problemas que despontam ininterruptamente mundo afora?
[...] Talvez a resposta esteja associada com a perda momentânea dos
referenciais que norteiam a humanidade [...].
Pois é, as
nossas crianças, os nossos filhos... Por isso recolho as palavras de Jean Berry
Kosht: “[...] Vejo-os na tenra idade, com apenas três anos, portando cinturões,
bainhas para espadas e pistolas, com suas roupas, ao se vestirem pela manhã,
podendo ficar com os ornamentos até o anoitecer, quando cada corpinho cansado
se prepara para ir dormir, após um longo e cansativo dia, brincando de assaltos
e assassinatos. Há vários anos assisto essa lamentável ocorrência, predominante
em todos os lugares. [...] Elas
pensam na linguagem do criminoso. Vemos com frequência uma criança surgir por
de trás de um arbusto e com firme objetivo, comandar um “assalto!” [...] Os pais dessas mesmas crianças não pensam
por um instante antes de comprar um kit de equipamentos de ladrão,
permitindo-lhes a prática de arrombamento de fechaduras ou de janelas. As crianças
logo se cansam das armas de brinquedo. Começam a querer armas de fogo de
verdade, munições reais e experiência concreta. E tudo o que aprendem nos
filmes e em seus próprios quintais, naturalmente asseguram-lhes maior
eficiência. [...] Que comportamentos
estamos construindo em nossos adolescentes? Que futuro estamos construindo para
nós mesmos? [...] Espero que consiga
imprimir as próximas quatro linhas nas mentes e no interior dos corações das
mães e dos pais, especialmente daqueles que têm crianças em seus lares, sendo
responsáveis pelo futuro de seus filhos: Mantenha uma oração em seu coração
para guiar-lhe, faça da sua vida um exemplo de verdade, os caminhos de um homem
são moldados na casa onde ele passa sua juventude [...] Isso poderia ser feito antes os bebês de hoje
se tornem os homens do amanhã.
Por fim, trago
o eminente Harvey Spencer Lewis nos chamando à reflexão: Coloque-se no lugar de uma criança que não pediu para vir ao mundo, que
nada sabe das tristezas e amarguras ou das possíveis alegrias e felicidade
[...].
Da minha
parte, reitero: sou mais Nitolino que eu mesmo, desde sempre.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação.
São Paulo: 34, 2002.
CARDOSO, Eliete. A importância do jogo e do brincar para o
desenvolvimento da criança. Porto Alegre: UFRGS, 2010.
KOSHT, Jean Berry. Crianças e brinquedos. O Rosacruz, inverno 2013.
LEWIS, Harvey Spencer. Ao menor
destes... O Rosacruz, primavera 2013.
MEIRA, Ana Marta. Benjamim, os brinquedos e a infância contemporânea. Psicologia & Sociedade; 15 (2):
74-87; jul./dez.2003
ROCHA, Ruy. O retorno dos heróis. O
Rosacruz, inverno 2014.