BRINCARTE

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Saturday, January 17, 2015

GORDIM NO SHOW DE TALENTOS


Gordim era filho da Ciuça Gorda - uma boleira exímia, macumbeira braba e mãe protetora de deixar o menino só cheio de manha e astúcia. Pense num bolo! Pensou? Quem come da guloseima dessa mulher passa três meses babando de não achar mais coisa boa que seja na vida, só o dela. Não tem Vó Carma, Tia Nilda, Tia Conça, nada, só bota o menino a perder: quando ele come, come por todos; chega a ficar empanzinado de roliço. Por isso o menino só tinha uma doença: dor de barriga. Só vivia no amaro-bocão incensado com sua própria inhaca. Pudera, com uma pança daquelas, dava trabalho encher o saco sem fundo. Pior quando peitava o Fura-bolos – o magrelo de ruim. Os dois numa aposta, não sobrava nem pratos ou panelas.

Assim era Gordim: risonho, arteiro: bastava ele rir, era a graça do engraçado; se era pra fazer, ele se achava o melhor. Quem não fosse, ele levava; quem tivesse fastio, ele papava por todos. E se ocupava espaço no tamanho, avalie nos quereres: ele sozinho valia por três, ou mais. Em tudo o primeiro, só de amostramento. Pense num sujeito espaçoso: sua soberba abria o risador de qualquer um. Tudo na conta do atrapalho: sua enrolada levantava a risadas. Sem saída, só vive sorrindo – menino safado. Apronta e leva a pior; mas não desanima e vira a piada. 


Um dia lá, garotada reunida, ele deu expansão ao seu querer desmedido: brincar de show de talentos. Arrepare só. Ele próprio se dizia: quem o melhor? Ora, o primeiro tinha de ser ele, o invencível, o inimitável. Não adiantava quem quisesse o lugar: uma bundada dele era qualquer petulante em nocaute. Brincasse com ele, findava quem fosse estatelado no chão. E como ocupava espaço por três, não tinha pra ninguém: primeiro ele, desse o que fosse. No final, a bem de todos, concordavam.

- Quer brincar do quê, Gordim? -, perguntou o Maior-de-todos.

- De ser cantor de show de talento! -, respondeu se autoaplaudindo tal astro das capas de revista das celebridades todas.

- Uai, sô!?! Desde quando Gordim sabe cantar? -, inquiriu o Jeguim pra acabar com a festa antes mesmo do ensaio.

- Desde o dia dele tremendo de medo ter de entreter o Lobisomem Zonzo! -, mangou o Maluquin botando gosto ruim na munganga.

- O Zonzo? Ora, ora...


Verdade. O Gordim era destemido e implacável com tudo, menos com o Lobizonzo, de quem ele se escondia todo arisco de medroso. Falar dele perto do Gordim era o mesmo que gritar La Ursa em tempos de carnaval, que ele se escondia embaixo da cama de não querer mais nada. Acabava com a festa dele.

Enquanto isso o Lobizonzo na plateia dava a maior corda pro Gordim:

- Canta! Canta! Canta! -, era o que sabia fazer: ficar repetindo uma palavra mais de uma vez no maior dos incentivos. Afinal era zonzo, né? E Gordim nessa hora se arrependia, queria era se esconder. Mas a turma agora que botava fogo na lenha pra vê-lo sair dessa.

Então, quisessem ou não, bastava Gordim querer e só parava de peiticar quando todos concordassem. E conseguia por fim da força das insistências. Queria brinquedo? Só parava a lamúria com o conquistado. Pense num bicho pidão de ficar por horas amolegando o pedido de encher o saco até a paciência se render de atendê-lo.

Era a hora do vamos ver.

Tudo certo e nos conformes, ele fica de pé exigindo a atenção de todos.

Quando o silêncio de todos atentos, ele pigarreia, se ajeita todo nos trinques e dana-se a cantar desafinado com um cotoco de pau encostado no bucho qual viola violada, de olhos fechados sonhando maior abafo dos sucessos. A vaia come no centro, quando não todos com as mãos nos ouvidos: quem aguenta tal desarmonia? Não valia nem troféu abacaxi. Ele lá: duro na queda, impondo seu talento e se amostrando todo ancho. Mais se esforçava para agradar até que no final do refrão resolveu caprichar com um solfejo agudo, no fôlego, comprido, demorado, a ponto de abrir a boca, se esgoelar todo da língua se espichar fora, dar um nó e se enganchar na garganta, engasgando-o. Entalado de agonia dos olhos quase soltar fora, inquieto e apavorado, findou levando uns murros nas costas para desengasgar. Foi pior: só desenganchou quando soltou um pum fedorento e estrondoso de abalar a redondeza.

Pronto, acabou a festa. Não ficou um só pra remédio, todos picaram a mula pra longe da fedentina. E ele? De mãos dadas pro ar cantando vitória na maior euforia de campeão. Se não ganhou pelo talento, ganhou pelo pum. Mas teve um prejuízo: começou a falar fino.

- Tome, desgraçado, quem manda ser amostrado? -, mangou de ciúmes o Cravo que chegou depois de uma arenga com a Rosa.

Apesar desse desfecho, uma coisa fica certa: Gordim é a alegria da patota. Não bastando ser o mais adiantado de todos, ele se atrapalha e vira a pinoia do momento: provoca as mais soltas gargalhadas. Não fosse ele, a estória não teria a menor graça.


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