Contava
Pai Lula que a raposa andava sempre caçando.
Certo
dia, noite fechada e não se via um palmo adiante do nariz, a raposa que sabia
ver bem de noite, se aproveitava dessa hora para fazer estragos. De dia ela
cuidava dos arranjos caseiros, do asseio da sua linda pele e do seu lindo rabo.
Tinha o maior orgulho dele e, na verdade, passava por ter uma das caudas mais
bonitas da família e da redondeza.
A
caminho da capoeira que pretendia visitar, a raposa atravessou o quintal,
depois outro e depois outro e outro e, sem saber como, foi cair numa ratoeira
e ficou presa pelo rabo.
- Isso
só poderia acontecer comigo -, reclamou ela lamentando-se. – Mais me valia não
ter rabo! Se aqui me deixo ficar é morte certa...
Mas, por
mais que fizesse, por mais voltas que desse, não se libertava da ratoeira. Na
ânsia, porém, de se ver livre, tantou puxou, puxou, puxou, que o ferro da
ratoeira lhe cortou a felpuda cauda e ela pôde fugir, mas... sem seu lindo
rabo.
Ao
chegar em casa, tristíssima por se ver privada de sua bela cauda, a raposa ao
reparar as primas e os primos todos ostentando os seus formosos complementos, ficou
ainda mais triste e começou a sentir inveja. Afinal, todos tinham cauda – uma
cauda linda! -, menos ela.
Ora,
além disso começou ela própria a ser objeto de grande admiração: é que nunca
tinham visto uma raposa sem rabo!
- Mas
então, o o que foi isso? – perguntavam os amigos. – Como foi que ficou sem
cauda?
- Como
foi que fiquei sem cauda, não! Porque é que a tirei! – emendava, resolvendo
mentir para não contar o que lhe acontecera.
-
Tirou-a? – indagavam espantados.
- É a
última moda – explicava ela. – É o que se usa agora entre as raposas distintas
da melhor sociedade. E vocês devem fazer o mesmo. Isso de rabo é uma moda muito
antiga que já só se vê entre os velhos...
Os
primos, as primas e os amigos mais jovens, zelosos de sua elegância, começaram
logo a mirar-se com desgosto convencidos de que a prima raposa tinha razão. Só
que uma parenta velha, que sabia perfeitamente como as coisas se tinham passado
cheia de bom sendo falou, no meio de todos, à raposa matreira:
- Minha
querida amiga, acredito na sua moda e nas conveniências dela, mas digo-lhe já
que nós não contaremos os nossos rabos apenas para lhe dar prazer. Se um dia
nos encontrarmos na mesma situação em que a prima se viu, então, deitaremos
fora o rabo. Mas antes disso, não. Que os mal intencionados como a prima
queiram que os outros se disponham a seguir o que lhes propõem sem pensar, é
que não. Quando o mal por aqui tocar, veremos... fique a prima lá sem o seu
rabo, que nós tomaremos conta dos nossos de forma que continuem aqui bem inteirinhos....
É claro
que a raposa teve de de se calar e conta-se que nunca mais quis convencer a
família e os amigos de que o ideal era as raposas não usarem rabo.
(Fábula
de Esopo recolhida do livro Didáctica do teatro, de José Oliveira
Barata.Coimbra: Almedina, 1979).