Imagem: J. Lanzellotti
Era de manhã, Nitolino mais que avexado,
gritava:
- Pai Lula! Pai Lula!
- Que foi, mô fio? -, respondeu-lhe Pai Lula.
- Onde é que fica o Morro Pintado?
- Ah, chame a meninada que eu digo onde é
que fica!
Oxe, Nitolino inheto como sempre, saiu no
maior alvoroço chamando toda recada.
Daí a pouco estavam todos aboletados no
alpendre da casa, quando Pai Lula começou:
É
um morro encantado, no cimo do planalto onde, das liquências das cabeceiras,
escorrem as nascentes. Dizem: nos seus arredores o ouro e as pedras preciosas
são abundantes, encontradas entre as raízes das gramas e do arvoredo; no
aluvião das enxurradas, se encravam as pepitas e os carbonatos. Nas locas
profundas amontoam-se tesouros incalculáveis. Feliz de quem encontrar o Morro
Pintado. Será rico e poderoso...
- Eu quero!!!! -, gritou Nitolino.
- Eu também!!!!! -, gritou Bichim.
- Eu sei onde é que é! -, gritou
Alvoradinha.
- Cala boca, meninos, senão Pai Lula não
conta a estória... -, ralhou Ísis, ávida por saber de tudo.
E Pai Lula continuou:
Esta
estória, meus caros, revive nas quadras das calamidades. Quando o flagelo das
enchentes, das secas, das pestes e das guerras empobrece as populações, grupos se
formam e inimigãos se vão em procura da fortuna encantada!...
E
se vão, fortes na coragem e na esperança, sertão adentro até que o Morro de
repente aparece distante e azul na linha da campina. E começa. Doidos de
alegria, correm para lá, e quanto mais apressam o passo mais ele se distancia
na lonjura, até que o sol se some e a escuridão cobre tudo...
...
E vem outro dia. O Morro que estava ao sul reaparece no norte, mais longe, mais
azul e eles se vão e a noite torna a voltar...
Mal
o dia desponta, o sol ilumina e o encanto se repete: do norte ele se muda para
o leste e as cabeças se desnorteiam. É preciso comer: a água está secando nas
cabaças; no fundo dos bornais só restam duas rações e a marcha recomeça. O bafo
da campina é uma febre e o Morro vai se afastando mais e mais, até ficar como
uma sombra até que a noite vem toldar tudo...
E
os homens, tomados pelo delírio, resolvem: É preciso andarmos toda a noite no
rumo certo e se vão. A água acabou; comerão a última ração ao amanhecer, e o
sol vem lhes mostrar: o Morro reaparece no sul, atraindo-os.
O
mais forte fala aos companheiros: “Amigos, o encanto é uma fome, e nutre-se do
sofrimento e da impiedade para satisfazer os dignos da fortuna”.
Precipitando
as miragens, o vulto cinzento embelezava-se na planície; a gula é o um cio e
dança como a sombras da luz no silêncio das lagoas. Os mais fracos tombavam e a
marcha continuava acelerada. A alucinação revigora; o Morro vai ficando perto,
mais perto, e já distinguem os seus talhados, os pés de pau, a boca das locas
protegidas de treva. Avançam, mais velozes, e a noite, à frente, vai cobrindo
tudo... e lá vão...
Misericórdia!
Disparam, não podem parar! Desgraçados dos que ficam para trás...
Alguns
se levantam e se torcem como se participassem da tragédia da narrativa do velho
Gorgonho exalatdo. - ... E foi-se a noite e a campina abriu-se na manhã
iluminada, tudo debalde. O Morro Pintado desapareceu e cá embaixo, distante,
como um rasto de farinha na verdura, era o rio São Francisco escorrendo. A
teatralidade do velho impressionava Olindo. De mãos no queixo, a assistência
espera ainda. Velho Gorgonho, tomando fôlego, concluiu debilitado:
- Só um vaqueiro, vagueando perdido,
venceu o encanto. Viu o morro e como precisava se orientar, seguiu para lá.
Galgou as ladeiras e de cima descortinou uma paragem diferente: de plantações
amadurecidas na safra, com rebanhos pastando e os pomares carregados de fruta.
No meio da verdura a marcha caiada das povoações, era um convite. Satisfeito,
desceu. Como tinha fome furou uma colmeia e comeu o mel. Para limpar o facão,
arrancou uma moita de capim e as raízes estavam brilhando de pepitas de ouro, e
pedras preciosas. Deu-se o desencanto... e ele encheu o surrão e tornou-se rico
e feliz. E só.
FONTE
CASTRO, Osório Alves. Porto calendário.
In: DANTAS, Paulo. Estórias e lendas do norte e nordeste. São Paulo: Edigraf,
s/d.
Veja mais aqui.