O SOL
Salve,
sol glorioso ! Ao teu clarão fecundo,
A
natureza canta e se extasia o mundo.
Que
tristeza, que dó, quando desapareces !
Vens, e
a terra estragada e feia reverdeces;
Abres
com o teu calor as sebes perfumadas;
Dás
flores ao verdor das moitas orvalhadas;
Os
ninhos aquecendo, as gargantas das aves
Dás
gorjeios de amor, e harmonias suaves;
E,
cintilando sobre os tufos de verdura,
Em cada
ramo põe uma fruta madura.
A
noite é como a morte; o dia é como a vida.
Ó Sol,
quando te vais, a alma vaga perdida ...
Os
pensamentos mais são os filhos da treva:
Fogem,
quando a brilhar, no horizonte se eleva
O Sol,
pai to trabalho, o Sol, pai da alegria ...
Salve,
anúncio da Vida, e portador do Dia !
O UNIVERSO
A Lua:
Sou um pequeno mundo;
Movo-me, rolo e danço
Por este céu profundo;
Por sorte Deus me deu
Mover-me sem descanso,
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.
A Terra:
Eu sou esse outro mundo;
A lua me acompanha,
Por este céu profundo...
mas é destino meu Rolar, assim tamanha,
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.
O Sol:
Eu sou esse outro mundo,
Eu sou o sol ardente!
Dou luz ao céu profundo...
Porém sou um pigmeu,
Que rolo eternamente
Em torno de outro mundo,
Que inda é maior do que eu.
O Homem:
Porque, no céu profundo,
Não há-de parar mais
O vosso movimento?
Astros! qual é o mundo,
Em torno ao qual rodais
Por esse firmamento?
Todos os Astros:
Não chega o teu estudo
Ao centro d’isso tudo,
Que escapa aos olhos teus!
O centro d’isso tudo,
Homem vaidoso, é Deus!
O LBO E O CÃO
Encontraram-se
na estrada
Um cão e
um lobo. E este disse:
“Que
sorte amaldiçoada!
Feliz
seria, se um ida
Como te
vejo me visse.
Andas
gordo e bem tratado,
Vendes
saúde e alegria:
Ando
triste e arrepiado,
Sem ter
onde cair morto!
Gozas de
todo o conforto,
E
estás cada vez mais moço;
E eu,
para matar a fome,
Nem acho
às vezes um osso!
Esta
vida me consome...
Dize-me
tu, companheiro:
Onde
achas tanto dinheiro?”
Disse-lhe
o cão:
“Lobo
amigo!
Serás
feliz, se quiseres
Deixar
tudo e vir comigo;
Vives
assim porque queres...
Terás
comida à vontade,
Terás
afeto e carinho,
Mimos e
felicidade,
Na boa
casa em que vivo!”
Foram-se
os dois. em caminho,
Disse o
lobo, interessado:
“Que é
isto? Por que motivo
Tens o
pescoço esfolado”
— “É
que, às vezes, amarrado
Me
deixam durante o dia...”
“Amarrado?
Adeus amigo!
(Disse o
lobo) Não te sigo!
Muito
bem me parecia
Que era
demais a riqueza...
Adeus!
inveja não sinto:
Quero
viver como vivo!
Deixa-me,
com a pobreza!
— Antes
livre, mas faminto,
Do que
gordo, mas cativo!”
O LEÃO E O CAMUNDONGO
Um camundongo
humilde e pobre
Foi um
dia cair nas garras de um leão.
E esse
animal possante e nobre
Não o
matou por compaixão.
Ora,
tempos depois, passeando descuidoso,
Numa
armadilha o leão caiu:
Urrou de
raiva e dor, estorceu-se furioso...
Com todo
o seu vigor as cordas não partiu.
Então,
o mesmo fraco e pequenino rato
Chegou:
viu a aflição do robusto animal,
E, não
querendo ser ingrato,
Tanto as
cordas roeu, que as partiu afinal...
Vede
bem: um favor, feito aos que estão sofrendo,
Pode sempre
trazer em paga outro favor.
E o mais
forte de nós, do orgulho esquecendo,
Deve os
fracos tratar com caridade e amor.
A RÃ E O TOURO
Pastava
um touro enorme e forte, à beira d’água.
Vendo-o
tão grande, a rã, cheia de inveja e mágoa,
Disse: “Por
que razão hei de ser tão pequena,
Que aos
outros animais só faça nojo e pena?
Vamos|!
quero ser grande! incharei tanto, tanto,
Que,
imensa, causarei às outras rãs espanto!”
Pôs-se a
comer e a inchar. E às rãs interrogava:
Já vos
pareço um touro?” E inchava, inchava, inchava!
Mas em
vão! tanto inchou que, num tremendo estouro,
Rebentou
e morreu, sem ficar como o touro.
Essa
tola ambição da rã que quer ser forte
Muitos
homens conduz ao desespero e à morte.
Gente
pobre, invejando a gente que é mais rica,
Quer
como ela gastar, e inda mais pobre fica:
— Gasta
tudo o que tem, o que não tem consome,
E, por querer ter mais, vem a morrer de fome.
INFÂNCIA
O berço
em que, adormecido,
Repousa
um recém-nascido,
Sob o
cortinado e o véu,
Parece
que representa,
Para a
mamãe que o acalenta,
Um
pedacinho do céu.
Que
júbilo, quando, um dia,
A
criança principia,
Aos
tombos, a engatinhar...
Quando,
agarrada às cadeiras,
Agita-se
horas inteiras
Não
sabendo caminhar!
Depois,
a andar já começa,
E pelos
móveis tropeça,
Quer correr,
vacila, cai...
Depois,
a boca entreabrindo,
Vai
pouco a pouco sorrindo,
Dizendo:
mamãe... papai...
Vai
crescendo. Forte e bela,
Corre a
casa, tagarela,
Tudo
escuta, tudo vê...
Fica
esperta e inteligente...
E
dão-lhe, então, de presente
Uma
carta de A.B.C...
AS FORMIGAS
Cautelosas
e prudentes,
O
caminho atravessando,
As
formigas diligentes
Vão
andando, vão andando ...
Marcham
em filas cerradas;
Não se
separam; espiam
De um
lado e de outro, assustadas,
E das
pedras se desviam.
Entre
os calhaus vão abrindo
Caminho
estreito e seguro,
Aqui,
ladeiras subindo,
Acolá,
galgando um muro.
Esta
carrega a migalha;
Outra,
com passo discreto,
Leva um
pedaço de palha;
Outra,
uma pata de inseto.
Carrega
cada formiga
Aquilo
que achou na estrada;
E
nenhuma se fatiga,
Nenhuma
para cansada.
Vede!
enquanto negligentes
Estão as
cigarras cantando,
Vão as
formigas prudentes
Trabalhando
e armazenando.
Também
quando chega o frio,
E todo o
fruto consome,
A
formiga, que no estio
Trabalha,
não sofre fome ...
Recorde-vos
todo o dia
Das
lições da Natureza:
O
trabalho e a economia
São as
bases da riqueza
A AVÓ
A avó,
que tem oitenta anos,
Está tão
fraca e velhinha!...
Teve
tantos desenganos !
Ficou
branquinha, branquinha,
Com os
desgostos humanos.
Hoje,
na sua cadeira,
Repousa,
pálida e fria,
Depois
de tanta canseira:
E
cochila todo o dia,
E
cochila a noite inteira.
Às
vezes, porém, o bando
Dos
netos invade a sala ...
Entram
rindo e papagueiando :
Este
briga, aquele fala,
Aquele
dança, pulando ...
A
velha acorda sorrindo.
E a
alegria a transfigura;
Seu
rosto fica mais lindo,
Vendo
tanta travessura,
E tanto
barulho ouvindo.
Chama
os netos adorados,
Beija-os,
e, tremulamente,
Passa os
dedos engelhados,
Lentamente,
lentamente,
Por seus
cabelos doirados.
Fica
mais moça, e palpita,
E
recupera a memória,
Quando
um dos netinhos grita :
“Ó vovó
! conte uma história!
Conte
uma história bonita!"
Então,
com frases pausadas,
Conta
histórias de quimeras,
Em que
há palácios de fadas,
E
feiticeiras, e feras,
E
princesas encantadas ...
E
os netinhos estremecem,
Os
contos acompanhando,
E as
travessuras esquecem,
- Até
que, a fronte inclinando
Sobre o
seu colo, adormecem ...
OLAVO
BILAC – O poeta e
jornalista carioca Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918) foi
membro fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) e dedicou, entre suas obras,
muito do seu trabalho poético para as crianças.
REFERÊNCIA
BILAC, Olavo. Poesias infantis. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1929.
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