BRINCARTE

BRINCARTE
BRINCARTE

Wednesday, September 17, 2014

O DESENVOLVIMENTO INFANTIL, PARA ALEXANDER LURIA


DESENVOLVIMENTO INFANTIL – Entende Luria ao escrever sobre a psicologia experimental e o desenvolvimento infantil, tratando sobre o desenvolvimento da percepção infantil em relação ao mundo exterior, que durante os primeiros meses de vida uma criança não percebe formas distintas e por isso é incapaz de acomodar, de qualquer forma que seja seu comportamento a elas. Um certo número de pesquisas cuidadosa e objetivamente executados mostrou que uma criança passa as primeiras semanas de vida em um estado difuso entre o sono e a vigília. Esse estado primitivo, semissonolento,, e o total de isolamento da criança em relação ao mundo que a cerca são ainda mais exagerados pelo fato de que os receptores necessários para perceber o mundo exterior não começam a operar até bem mais tarde. A conclusão é que até os três ou quatro meses, a criança é uma espécie de cego mental e não percebe o mundo exterior sob qualquer forma distinta. De fato, esta natureza caótica e embaçada de percepção infantil ainda se prolonga por muitos meses. À medida que o tempo passa, porém, a criança começa a perceber vultos e formas, e esta capacidade torna-se uma das mais importantes condições para o organismo, a adaptação sem a qual seria impossível qualquer progresso ulterior. A habilidade  para discriminar um elemento individual dentro de uma forma percebida é tarefa bastante complexa para a criança, ocorrendo só após o desenvolvimento de uma habilidade que a levará a ser capaz de utilizar formas complexas de pensamento que requerem a habilidade de isolar, à vontade, os elementos individuais, abstraí-los e operar com eles com relativa facilidade. Observa-se que o caminho percorrido pela percepção infantil vai da percepção caótica, difusa, para uma relação simples, totalizante com as formas, para uma complexa acomodação à elas. Acomodação que se faz por mediação, combinando os traços totalizantes com relativa facilidade de discriminação dos elementos individuais.
Tratando acerca do desenvolvimento dos hábitos culturais da criança, Luria começa a tratar pelo desenvolvimento do processo de contagem, cônscio de que as habilidades e os conceitos abstratos necessários para a contagem desenvolveram-se muito tarde, depois de a criança ter começado a ir à escola. Em suas brincadeiras a criança de quatro a cinco anos deveria dividir um certo número de objetos entre três ou quatro colegas. Logo descobriu-se que as crianças acomodavam-se a esse problema de várias formas. As mais jovens e as mais retardadas tentavam dividir diretamente a pilha de blocos ou fichas, sem o uso de qualquer técnica auxiliar. Esse foi o primeiro estágio simples de acomodação ao problema da divisão. O processo de divisão é modelado diferentemente em crianças um pouco mais, de cinco anos, por exemplo, quando o processo de acomodação direta torna-se diferenciado em um certo número de operações sucessivas que a criança adquire um certo número de técnicas sintéticas para auxiliar a divisão e que ela inventa, pela primeira vez, alguma forma cultural para lidar com essa complicada tarefa. Nota-se um fenômeno peculiar na criança dessa idade: ela não age diretamente para dividir as peças entre seus colegas, mas começa executando uma série de operações que a ajudem a efetuar a divisão, de maneira mais precisa. Ela começa a fazer arranjos com os blocos ou fichas para, em seguida, distribuí-las entre seus amigos. Ainda incapaz de contar abstratamente ou de lidar com o conceito de numero, a criança elabora pequenas técnicas auxiliares que a habilitam a resolver um problema, de outra forma indissolúvel. Com  isso, a criança ingressou, definitivamente, um segundo estágio no desenvolvimento de sua habilidade de contar. Este estágio de aritmética primitiva é marcado pelo fato de que o processo de divisão é agora indireto; ele ocorre com o auxilio de uma série de operações auxiliares e para as noções abstratas de quantidade, ainda faltantes, a utilização funcional de um certo numero de formas concretas serve como substituto. No entanto, o desenvolvimento da contagem da criança não para por aí, é que nesse estágio, uma mudança peculiar ocorre nos experientes que a criança emprega para contar: em vez de construir figuras com blocos e depois distribuí-las entre os seus colegas, ela dispõe as peças em certa ordem especial e, em seguida, distribui o numero requerido de tais arranjos a cada um de seus colegas. A evolução total das habilidades aritméticas é ilustrada pelas diferentes atitudes que aparecem em diferentes estágios, pelos quais passa uma criança em relação ao resto de um problema da divisão. Em um primeiro estágio, distingue-se a fase da divisão direta, primitiva quando não há restos. A criança é capaz de enfrentar um resto só no próximo estágio, quando começa a empregar as figuras espaciais, mas é só quando a contagem abstrata está plenamente desenvolvida, durante o período escolar, que ela irá dominar integralmente o problema do resto. Observando em que ordem tais expedientes aparecem, compreende-se que os passos do processo pelo qual a criança desenvolve as habilidades culturais para contar e, uma vez mais, descobrir provas eficazes do tremendo e excepcional esforço que essa criaturinha precisa fazer antes de ser capaz de executa, fácil e automaticamente, operações numéricas que nos parecem tão simples e fáceis.
Quanto ao desenvolvimento da escrita, observa Luria que escrever é uma das funções culturais típicas do comportamento humano, pressupondo o uso funcional de certos objetos e expedientes como signos e símbolos. Essa habilidade desenvolve-se funcionalmente bastante tarde na criança e, no período pré-escolar, pode-se observar que é um estágio fora do seu alcance. Quando uma criança entra na escola, ela não é uma tabula rasa que possa ser moldada pelo professor segundo a forma que ele preferir. Essa placa já contem as marcas daquelas técnicas que a criança usou ao aprender a lidar com os complexos problemas de seu ambiente, já equipada e já possui suas próprias habilidades culturais. Mas esse equipamento é primitivo e arcaico, não foi forjado pela influencia sistemática do ambiente pedagógico, mas pelas próprias tentativas primitivas feitas pela criança para lidar, por si mesma, com tarefas culturais. Psicologicamente a criança não é um adulto em miniatura, ela modela sua própria cultura primitiva.
Ao tratar do desenvolvimento da escrita na criança, Luria observa que tudo começa muito antes da primeira vez em que o professor coloca um lápis em sua mão e lhe mostra como formar letras. As origens do processo da escrita remontam período anterior, ainda na pré-história do desenvolvimento das formas superiores do comportamento infantil, uma vez que quando ela entra na escola ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destrezas que a habilitará a aprender a escrever em um tempo relativamente curto.  Para uma criança ser capaz de escrever ou anotar alguma coisa, duas condições devem ser preenchidas: em primeiro lugar, as relações da criança com as coisas a seu redor devem ser diferenciadas de forma que tudo o que ela encontra inclua-se em dois grupos principais: 1 ou as coisas representam algum interesse para a criança, coisas que gostaria de possuir ou com as quais brinca; 2 ou os objetos são instrumentais, desempenhando apenas um papel instrumental ou utilitário, e só tem sentido enquanto auxilio para a aquisição de algum outro objeto ou para obtenção de algum objetivo e, por isso, possuem apenas um significado funcional para ela. Em segundo lugar, a criança deve ser capaz de controlar seu próprio comportamento por que ela mesma invoca. Só quando as relações da criança com o mundo que a cerca se tornaram diferenciadas dessa maneira, quando ela desenvolveu sua relação funcional com as coisas, é que se pode dizer que as complexas formas intelectuais do comportamento humano começaram a se desenvolver. Observa ainda Luria que antes que a criança tenha compreendido o sentido e o mecanismo da escrita, já efetuou inúmeras tentativas para elaborar métodos primitivos, e estes são, para ela, a pré-história da escrita. Mas mesmo esses métodos não se desenvolvem de imediato: passam por um certo numero de tentativas e invenções, constituindo uma série de estágios, com os quais deve familiarizar-se o educador que está trabalhando com elas na idade escolar, pois isso lhe será muito útil. A criança de três a quatro anos descobre primeiramente que seus rabiscos no papel podem ser usados como auxilio funcional na recordação. Nesse momento, a escrita assume uma função instrumental auxiliar, e o desenho torna-se a escrita por signos. Ao mesmo tempo, à medida que esta transformação ocorre, uma reorganização fundamental ocorre nos mecanismos mais básicos do comportamento infantil: no topo das formas primitivas da adaptação direta aos problemas impostos por seu ambiente, a criança constrói novas e complexas formas culturais; as mais importantes funções psicológicas não mais operam por meio de formas naturais primitivas e começam a empregar expedientes culturais complexos. Estes expedientes são tentados sucessivamente e aperfeiçoados e no processo a criança se transforma. Observa-se o processo crescente de desenvolvimento dialético das formas complexas e essencialmente sociais de comportamento, as quais, após percorrerem longo caminho, acabaram por conduzir finalmente ao domínio do que é talvez o mais inestimável instrumento da cultura.

REFERÊNCIA
VIGOSTSKII, L.; LURIA, A.; LEONTIEV, A. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2012.

Veja mais aqui e aqui.