A ONÇA E O BODE
Ilustração de J.
Lanzellotti.
Pai Lula,
como de costume, chamou a meninada. Logo vieram todos que se aboletaram ao seu
redor. Sabiam que além de um grande cientista, ele também gostava de contar
histórias.
Aí
Nitolino mais inheto que todos, foi logo perguntando:
- Qual
será a história de hoje, Pai Lula?
- Hoje vou
contar a história do acordo da Onça e o Bode.
Aí a
criançada toda curiosa, logo gritou:
- Conta!
Conta! Conta!
Aí Pai
Lula foi explicando que quando era muito menino, sua mãe pegou um livro que
tinha umas histórias recolhidas por Basilio de Magalhães e Paulo Dantas e
começou a narrar a história prometida.
O bode foi no mato procurar lugar para fazer
sua casa. Andou, andou, até que achou um sitio bom. Roçou-o e foi-se embora.
A onça, que também tinha saído com a mesma
ideia, chegando no mato e encontrando aquele lugar roçado, exclamou:
- Oh! Nosso Senhor está me ajudando! Já tem
aqui um lugarzinho limpo!
Cortou a cumeeira, os esteios, os caibros e
ripas, carregou-os, botou-os no ponto escolhido e foi-se embora.
No outro dia, veio o bode e, ao dar com toda
madeira já pronta, ficou admirado, dizendo:
- Oh! Nosso Senhor está me ajudando!
Cobriu a casa e foi-se embora.
No dia seguinte, veio a onça e ficou de boca
aberta, quando vou a casa armada, dizendo muito satisfeita:
- Oh! Nosso Senhor está me ajudando!
Cobriu a casa e foi-se embora. Veio o bode no
dia imediato e disse:
- O que? Nosso Senhor está me ajudando!
Tapou a casa, indo mais que depressa buscar os
carregos. Vindo a onça achou a casa acabada. Correu e foi igualmente buscar os
seus trastes. Quando chegou de volta, já o bode havia posto os cacarecos dentro
de casa e estava espichado no meio da cama, bem de seu.
- Ah! Era você, amigo Bode, que estava me
ajudando?
- Ah! Era você, amiga Onça, que estava me
ajudando?
- Bem, amigo Bode, agora nós vamos morar
juntos.
O bode ficou muito desconfiado; mas não teve
outro jeito, senão morar com a onça, para não perder o seu trabalho, mas vivia
com a pulga atrás da orelha. Então os dois fizeram contrato de cada um ter a
sua semana para ir caçar.
Um dia, a onça, indo à caça, matou um cabrito. Quando
chegou no meio do terreiro, jogou-o ao chão e disse para o companheiro,
roncando no peito:
- Amigo Bode, vai preparar este bichinho, que
eu trouxe para nós comermos.
O bode ficou tremendo de medo, mas se fez de
cavalheiro. Preparou o cabrito e botou-o na mesa. A onça encheu bem a barriga;
o bode, porém, não quis comer, dizendo que estava doente.
No outro dia o bode foi caçar. Chegando no
mato, encontrou uma onça, que alguns homens haviam matado. Pelejou, pelejou,
puxa daqui, puxa dacolá, até que, a muito custo, trouxe-a até ao meio do
terreiro. Largou-a e disse, cheio de empáfia:
- Amiga Onça, vá preparar este bichinho, que eu
trouxe para nós comermos.
A onça ficou espantada e perguntou:
- Amigo Bode, como foi que você matou esta
onça?
- Ora, ora.... matando!... – respondeu o bode.
Porém, insistindo sempre a onça em
perguntar0lhe como havia matado a companheira, disse o bode:
- Eu enfiei este anel de contas no dedo,
apontei-lhe o dedo, e ela caiu morta.
A onça ficou toda arrepiada, olhando o bode
pelo rabo do olho.
Depois de algum tempo disse o bode:
- Amiga Onça, eu lhe aponto o dedo...
A onça pulou para o meio da sala gritando...
- Amigo Bode, deixe de brinquedo....
Tornou o bode a dizer que lhe apontava o dedo,
pulando a onça para o meio do terreiro. Repetiu o bode a ameaça e a onça
desembandeirou pelo mato a dentro, numa carreira danada, enquanto ouvia a voz
do bode:
- Amiga Onça, eu lhe aponto o dedo...
Nunca mais a onça voltou. O bode ficou, então
sozinho na sua casa, vivendo de papo para o ar, bem descansado.
Quando Pai
Lula concluiu a história, logo o Bichim foi dizendo:
- Esse
bode era muito sabido!
- Era,
era.... -, disse o Mindinho sob aplausos do Bichim e do Lobizonzo.
- Nada, a
onça é que era besta! -, desdenhou o Maior-de-Todos.
Nessa
hora, a trupe logo se dividiu, uns a favor da sabedoria do bode, outros na
tolice da onça.
Tia Conça
que chegava foi logo apaziguando:
- As duas
coisas, minha gente. Tanto o bode era sabido, mesmo sendo o mais fraco e
temeroso, como a onça mais temida passou por lesa. A moral é que pela inteligência
e sabedoria, o mais fraco pode vencer o mais forte, como no dia que o Pontinho
miudinho, destamaínho, mas com muita coragem e sabedoria enfrentou o monstro
terrível Anhangá!
Nessa hora
o Pontinho ficou todo ancho e bateu no peito:
- Eu sou o
SuperPontinho!!!!!!!!!!!!!
-
Êeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee! – festejou toda turma.
Aí Pai
Lula falou que entrou pela perna do sapo e saiu por debaixo da rã, quem quiser mais
outra história que venha aqui amanhã de manhã.
FONTE:
CAMPOS, J.
da Silva. Contos e fábulas populares da Bahia. In: MAGALHÃES, Basilio. O
folclore no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939.
CASCUDO,
Luis da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro: Ouro, 1967.
CASTRO,
Yêda Pessoa. Contos populares da Bahia : aspectos da obra de
João da
Silva Campos. Salvador: Prefeitura de Salvador/SMEC/DAC, 1978.
DANTAS,
Paulo. Antologia ilustrada do folclore brasileiro: estórias e lendas do norte e
nordeste. São Paulo: Edigraf, s/d.
MAGALHÃES,
Basilio. O folclore no Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1939.