O
GALO DAS CINCO HORAS
É
um galo nítido, auto-suficiente,
Com
uma clareza de clarim noturno.
Que
deve ter a plumagem vermelha.
E
cuja crista é a própria estrela d´alva.
Cantou
muito esta noite, cantou muito.
Qual
se tivesse, como de costume,
Uma
coisa secreta pra dizer-nos.
Mais
surpreendente do que a madrugada.
Há
quantos séculos este galo canta?
Mas
amanhece e a manhã é, apenas,
A
face cor de rosa de um abismo
(seguinte)
uma manhã que nunca chega,
E
que promete, sempre, a mesma coisa,
Por
só existir na garganta dos galos.
O
BOI E O ARCO-ÍRIS
O
boi,
Compacto,
tranquilo,
Como
se fosse o monumento
Animal
do silêncio – boi santo –
Está
pastando, agora.
O
boi
De
olhos mansos,
Esquecido
de sua força incomparável;
O
boi que inventou a democracia do couro;
O
boi que não é rei pra abdicar de uma coroa
(mas
que é muito mais, porque abdicou dos seus chifres
Agora
ornamentais e inofensivos)
Está
pastando a aurora.
O
boi
Está
pastando a aurora.
O
céu do matadouro é quase azul-ferrete.
Ouve-se
a sua respiração junto da relva.
Ouve-se
o rumor, áspero e verde,
Do
seu focinho, borrifado de orvalho.
Os
gafanhotos saltam;
As
borboletas se assustam,
Mas
o boi se tornou inocente.
O
boi,
Enormemente
bíblico,
Está
pastando a aurora.
E
os próprios pássaros, que fogem do homem,
Lhe
pousam no dorso.
Tamanha
é a confiança que lhes inspira
A
sua traquilidade.
O
boi aqueceu o menino Jesus com o seu hálito
Numa
noite de frio, e ficou santo.
Se
os pássaros fossem, em verdade, inocentes,
Teriam
que lhe viver pousados no ombro.
Caiu
uma leve chuva sobre a relva
Mas
o sol continua aceso.
O
boi
Está
pastando agora
-
enormemente bíblico –
Sob
um arco de aliança.
DEIXA
ESTAR, JACARÉ
Jacaré da lagoa
Você nunca este triste.
Você tem tudo quanto quer.
Tem água boa, é dono da lagoa.
Vai ao cinema ver a lua tomar banho
Quando a lua parece, de tão nua,
Um corpo branco de mulher.
Você cresceu e as lagartixas e os lagartos tão bonitos verdolengos
não cresceram...
Viraram bichos de jardim.
Só você, jacaré,
Foi que cresceu assim!
Mas olhe, escute uma coisa:
Quando a felicidade é tão grande
Que chega a passar da conta,
A gente deve desconfiar
Porque, como diz o povo:
Deixa estar, jacaré....
Lagoa há de secar.
CASSIANO RICARDO - Cassiano Ricardo Leite nasceu em 26 de julho de 1895, em São José dos Campos, São
Paulo. Aos 16 anos publicou seu primeiro livro de poesias, Dentro da noite.
Mudou-se para a capital para cursar a faculdade de Direito, mas concluiu o
curso no Rio de Janeiro. Voltou para São Paulo, onde se engajou no movimento de
reforma literária iniciado na Semana de Arte Moderna de 1922, do qual foi um
dos líderes. Participou dos grupos Verde e Amarelo e Anta, com Plínio Salgado,
Menotti del Picchia, Raul Bopp, entre outros. Na década de 30, junto com
Menotti del Picchia e Cândido Mota Filho, fundou o movimento político Bandeira,
em oposição ao Integralismo. Como jornalista e redator, trabalhou nos
jornais Correio Paulistano, A Manhã e fundou as revistas Novíssima, dedicada ao
movimento modernista, Planalto e Invenção. Sua poesia era caracterizada por um
lirismo sentimental de cunho nacionalista, mas suas obras pós-anos 40 adotaram
uma postura lírica, introspectiva e filosófica. Além de jornalista e poeta, foi
um grande ensaísta. Publicou obras sobre os movimentos dos bandeirantes, sobre
diversos autores e também sobre a própria literatura. Cassiano Ricardo
pertenceu ao Conselho Federal de Cultura, à Academia Paulista de Letras e à
Academia Brasileira de Letras. Recebeu diversos prêmios por sua produção
literária. Faleceu em 14 de janeiro de 1974. Dentre suas obras de maior
destaque, estão: A flauta de Pã, Vamos caçar papagaios, Martim Cererê, Um dia
depois do outro, O arranha-céu de vidro, Poesias completas.
FONTE:
BRAYNER,
Sonia (org.). Cassiano
Ricardo. Rio de Janeiro/Brasília:
Civilização Brasileira/INL, 1979.
CHAMIE,
Mário. Palavra-levantamento
na poesia de Cassiano Ricardo.
Rio de Janeiro: Livraria São José, 1963.
CORRÊA,
Nereu. Cassiano
Ricardo: o prosador e o poeta. São
Paulo: Conselho Estadual de Cultura, Comissão de Literatura, 1970.
FERREIRA,
Jerusa Pires de Carvalho. Notícia
de Martim Cererê de Cassiano Ricardo.
São Paulo: Quatro Artes, 1970.
MARIANO,
Oswaldo. Estudos
Sobre a Poética de Cassiano Ricardo.
São Paulo: Livraria São Jose, 1965.
MARQUES,
Oswaldino. O
Laboratório Poético de Cassiano Ricardo.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.
MOREIRA,
Luiza Franco. Meninos,
Poetas e Heróis: aspectos de
Cassiano Ricardo do modernismo ao Estado Novo. São Paulo: Edusp, 2001.
RICARDO, Cassiano. A flauta que
me roubaram. São José dos Campos: Julio Ottoboni, 2001.
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Literatura.