Uma
índia, ao banhar-se com seu netinho, sentiu alguma coisa tocar-lhe o ombro.
Falando
como se fosse gente, um camundongo disse à velha índia:
-
Vovó, não me desprezes que eu te mostrarei uma novidade!
Assim
dizendo, deu-lhe um grão de milho, coisa que naquele tempo era desconhecida,
pois até então os índios comiam orelha-de-pau (urupê) e farelo de certas
árvores em decomposição.
A
velha provou o milho e gostou. Então, o camundongo ofereceu-se para levá-la ao
mato e mostrar-lhe o lugar onde encontrara aquele grão. Lá foram. Ela ficou
muito admirada ao ver o chão estivado de grãos amarelos e vermelhos. Como poderia
haver ali tanta abundancia sem que ninguém jamais tivesse notado? E o curioso
era que não se podia dizer de onde tais sementes tinham vindo, fossem folhas,
espigas ou sabugos. Vai ver que tinham caído do céu!
Levou
um punhado delas para a aldeia; os velhos as examinaram e lhes deram o nome de “semente
de capim”. Dali por diante, todos os dias, as mulheres iam para o mato ajuntar
milho.
Mas
alguém descobriu que aqueles grãos caiam de uma árvore muito copada cujos ramos
cobriam uma roda de muitas braças. Lá em cima, bandos de araras e macacos
comiam debulhando as espigas, deixando o milho cair no chão.
Diante
dessa noticia, os índios se reuniram em assembleia e, depois de muito discutir,
resolveram derrubar a árvore. Mas o seu tronco era tão grosso que um dia de
trabalho não bastou para botá-lo abaixo. E olhem que os machados eram muitos!
Na
manhã seguinte, tiveram uma surpresa. Ao retomar o trabalho, viram que o corte
da véspera tinha cicatrizado, isto é, tinha desaparecido. Só então
compreenderam que a árvore era encantada. Diante desse contratempo, os índios resolveram
reunir todas as suas forças, para terminar a tarefa até o pôr do sol.
Nas
conversas, alguém se lembrou de um machado que deixara em casa. Mandaram logo
dois meninos, a toda pressa, para trazê-lo.
Estes,
porém, a meio caminho encontraram um mucura, num pé de marajá. Os emissários
resolveram matá-lo e comê-lo. Assim fizeram. Mas quando terminaram o bródio
sentiram-se tão velhos e fracos que o machado se tornou para eles pesadíssima carga.
Tiveram um trabalhão para levá-la até a derrubada.
Quando
a árvore deu mostras de cair, os índios fizeram uma bonita festa, dançando à
sua roda até que ela estalou e, com estrondo, desabou por terra. Desde esse
dia, os índios conservam a preciosa semente.
Todos
os anos as aldeias celebram a festa do milho, executando as mesmas danças e
cantando as mesmas cantigas que seus avós inventaram no dia em que derrubaram a
árvore encantada.
Os
meninos não se curaram da velhice, embora os pajés tudo fizessem para
rejuvenescê-los. Por isso, ninguém come mais carne de gambá.
Afirmam
os índios que, antes da descoberta do milho, eles eram relativamente poucos. Falavam
a mesma língua e viviam como um só rebanho. Mas, tendo encontrado esse cereal
que seria o forte de sua alimentação, dividiram-se em tribos e cobriram toda a
face da terra. E ficaram fecundos como o milho.
(Recolhido de Horace Banner, Mitos dos índios Caiapó, Revista de
Antropologia, vol. 5, nª 1, São Paulo, 1957. In: Herbert Galdus, Estórias e
lendas dos índios, São Paulo: Edigraf, s/d)).
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