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Monday, May 26, 2014

O DESEJO DE ENSINAR E A ARTE DE APRENDER, DE RUBEM ALVES


O DESEJO DE ENSINAR E A ARTE DE APRENDER - O livro “O desejo de ensinar e a arte de aprender”, do educador, escritor e psicanalista Rubem Alves, aborda questões atinentes à educação, especificamente a respeito do ensinar e o aprender. Para tanto, na primeira parte ele trata da “Curiosidade é uma coceira nas ideias”, abordando a questão do desejo de conhecer, da curiosidade e do desafio pela busca do conhecimento, acusando, por outro lado, a escola como deformadora de crianças pela simples cumprimento de programas e burocracias dos currículos, ao invés de se preocupar com o desafio da aprendizagem. Em seguida ele enfoca “Perguntas de criança...”, acerca da obrigatoriedade do aluno ir a escola e de aprender, desconhecendo se é aquilo que ele quer aprender, ao mesmo em que sinaliza para as limitações dos programas e das pessoas como parâmetro para ignorância, denunciando que os professores seriam “(...) éguas que perderam a curiosidade, felizes com as águas do ribeirão conhecido”, chamando atenção para o fato de que as instituições criadas pelos homens podem ser mudadas. Na parte seguinte, ele traz “Receita pra se comer queijo” onde faz um paralelo entre o oficio do cozinheiro e a fome, com o professor e o aprender. Diz ele que o cozinheiro de verdade é aquele que sabe produzir fome, levando a crer que o professor de verdade é aquele que instiga buscas para o desejo de saber. Logo após ele traz “Não é próprio falar sobre os alunos...”, onde ele se ressente que os professores falam de tudo, programas, currículo, trabalho, menos dos seus ou de alunos, chamando atenção que “(...) alunos não são unidades biopsicológicas móveis sobre os quais devem-se gravar os mesmos saberes”, uma vez que eles são o alvo da prática pedagógica e razão de existir da escola. Adiante vem “Aprendo porque amo”, onde apresenta a questão da necessidade de se estimular a curiosidade, a fome e a sede de saberes, a vontade de aprender e a sedução do aprendizado. A partir disso traz “É brincando que se aprende”, onde enfatiza a necessidade do desafio, da busca por conhecer os mínimos detalhes dos mecanismos e das tramitações para se obter o prazer do conhecimento. É quando chega a vez da “Experiência; a Escola da Ponte”, onde ele apresenta um modelo diferente de pratica pedagógica numa escola portuguesa. Daí surge “Novas formas de ver”, considerando a forma como se realizou o seu contato com a Escola da Ponte e passou a ter conhecimento do seu funcionamento. Na parte referente aos “Os primeiros sustos”, o autor apresenta como se deu seus primeiros contatos com a escola em referência, quando se viu na obrigação de esquecer tudo que aprendeu para poder entender a escola visitada. Aí surge a parte dedicada aos “Professores aprendizes”, quando apresenta de que forma os alunos interagem e aprendem/ensinam com outros alunos da escola, sem divisórias ou discriminações, e são conduzidos por professores que funcionam como assessor na condução de suas investigações. É quando em seguida traz a parte “Dentro da escola”, onde ele ressalta o contato das crianças, umas com as outras, e com as professoras e livros. Depois vem “Mistérios do dicionário”, onde relata o compromisso de uma criança em ensinar e trabalhar um texto de ensino para uma criança menor, procurando no dicionário uma palavra adequada para a receptora.  Depois vem “Os quadros de ajuda” onde descreve a presença de um enorme quadro contendo, de um lado as necessidades de cada aluno anotada e, de outro, a oferta dos saberes de outros alunos para interessados em aprender. Segue “O grande tribunal” onde é relatado que quando ocorre de bagunça ou de alunos indisciplinados, consta que não há envolvimento dos professores ou alunos na punição, havendo, pois, a existência de um tribunal que se ocupa dos aspectos disciplinares. É quando surge a parte “O direito à alegria”, onde o autor ressalta que o papel da escola é manter a fantasia, o desafio da criação imagética e alegria de aprender, nunca moldando esta criança a uma forma enquadrada de programas e currículos, ou seja, a escola, para ele, deve criar as condições possíveis para a experiência da alegria. Daí “Cada aluno é único” onde ele chama atenção para o fato de que os alunos não são linha de montagem de uma fábrica, nem todas são iguais, devendo-se, com isso, a escola trabalhar totalidades com experiências alegras e motivadoras. Em seguida “Grandes horizontes”, onde o autor relaciona a necessidade da oferta de um cardápio de opções variada na comida, sendo o mesmo necessário também na pratica educativa onde o professor precisa apresentar um menu variado de brincadeiras e experiências no sentido de estimular a curiosidade e a procura pelo saber dos alunos. Logo após vem a parte “O direito de não ler”, onde o autor descreve a forma de como as crianças iniciam as suas atividades com um plano de trabalho onde se encontra o realizado e o planejado do seu projeto de investigação, obedecendo ao rol de direitos e deveres determinados pela convenção dos alunos, professores e funcionários da escola. É quando entra em cena a parte “As duas caixas” onde o autor apresenta as duas partes do corpo: uma caixa de ferramentas, onde estão o que se aprende e o que se realiza; e uma caixa de brinquedos, onde se encontra o prazer da descoberta, do desafio da brincadeira e da vontade curiosa de aprender. Então vem a parte “Leis e direitos”, onde ele narra de forma detalhada o pacto social feito pelos alunos, professores e funcionários já mencionado na parte anterior. Aí surge a parte “Acho bem e acho mal”, onde ele anota o posicionamento das crianças a respeito das coisas vistas e pesquisadas, onde elas assinalam se acha bem ou mal. Daí vem a parte “O todo e as partes”, onde o autor reitera que na Escola da Ponte não se aprende letras nem sílabas, apenas totalidades. Por fim, vem a “Brincar é coisa séria”, onde o autor fala do mundo novo que descobriu ao conhecer a Escola da Ponte, sinalizando o aprender como algo divertido.
O escritor, educador e psicanalista paulista Rubem Alves, é doutor em Filosofia pela Universidade Princenton – EUA, e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Ele autor de diversos livros, entre eles “O desejo de ensinar e a arte de aprender", uma obra que reúne reflexões em formato de crônicas, abordando o desejo de ensinar e a arte de aprender, relatando, ainda, da experiência obtida pelo autor na Escola da Ponte, em Portugal. Trata-se de uma obra é revolucionária, diga-se de passagem. E é assim porque confronta cânones que se encontram cristalizados na raiz da educação e permeiam as discussões atuais acerca da escola, professores e alunos, a relação entre eles, como o papel do professor como depositante de conteúdos para descobrir competências; o professor seguidor à risca do programa e currículo formado por burocratas que sequer vivenciam a sala de aula; os professores donos da verdade e depositários de todo saber; os professores que ensinam, conduzem e são responsáveis pela virtude e todo conhecimento que seus alunos obtenham; os alunos que devem ser amestrados para serem atenciosos, quietos, comportados e prontos para aprender tudo que o professor mandar; a escola que é vista como o templo sagrado de todo o conhecimento; e que a escola e o professor são as indubitáveis fontes do saber. Essas e outras coisas a esse respeito são hoje o centro dos debates na busca por uma escola inclusiva, integradora, cidadã e democrática.
O processo revolucionário da obra se inicia quando o autor faz referência clara ao personagem Joseph Knecht, de umas das obras-primas de Hermann Hesse, “O jogo das contas de vidro”, bem como dos personagens centrais dos filmes “O banquete de Babete” e “Como água para chocolate”, demonstrando o horizonte vastíssimo das propostas de sua visão. Acresce a tais ilustrativas ideias, um fundamento teórico baseado a partir de Aristóteles, Brunno Bettelheim, Ludwig Wittgenstein, Adélia Prado, Marshal McLuhan, Nietzschie e Unamuno, no sentido de melhor expressar os alicerces teóricos de sua idéia pratica.
Tudo começa pela forma coloquial com que o autor chama a atenção para o desejo de ensinar e a arte de aprender que são dois pólos distintos e que precisam, inevitavelmente, de sintonia e conexão. Não se pode jamais haver êxito numa relação de ensino/aprendizagem onde possa haver dissonância ou dicotomia na comunicação entre ambas. Isto quer dizer que o ensino deve estar voltado indubitavelmente para o aprender. Sem o aprender o ensino não tem sentido. E é nesta linha que ele começa com uma coceira nas ideias, figura das mais representativas para demonstrar a comichão que deve ser a necessidade de aprender, de saber, de obter o conhecimento, de assanhar a curiosidade. Nisso, ele se reporta a necessidade do adulto se posicionar feito criança: “Todos os homens, enquanto criança, têm, por natureza, desejo de conhecer”. E este deve ser, obviamente, o objetivo de qualquer pessoa durante a sua existência: o de aprender e buscar o saber. No entanto, defende ele que este aprendizado deve ser feito com prazer, nunca na base do “(...) É fácil obrigar o aluno a ir à escola. O difícil é convencê-lo a aprender aquilo que ele não quer aprender”. Tal sinalização deixa claro, já preliminarmente, que é preciso aguçar a curiosidade, estimular o aprender, a vontade de saber das coisas, tomando ciência da necessidade de saber para sair da ignorância, evitando, portanto, o que o autor realça de Brunno Bettelheim, quando “(...) os professores tentaram ensinar-lhe coisas que eles queriam ensinar mas que ele não queria aprender”, o que resultou no fracasso que todos os estudantes, professores, pesquisadores, pedagogos e pessoas ligadas ao ensino/aprendizagem constatam na realidade atual: “(...) Não aprendeu e, ainda por cima, ficou com raiva”.
Tal sinalização é o núcleo das reflexões do autor na parte “Receita pra se comer queijo”, onde ele chama atenção para a necessidade de se rever o papel da escola e do professor no processo de ensino/aprendizagem, bem como a visão desses mesmos profissionais com relação aos alunos, porque “(...) Que as crianças querem aprender, disso não tenho a menor dúvida”, ninguém tem mesmo dúvida a respeito. Resta saber como proceder de forma prazerosa e motivadora na relação professor/aluno. Com isso, o autor traz a ideia de que a fome de comer é um afeto. E este mesmo afeto deve ser a fome de aprender. E cabe ao professor despertar este afeto no aluno.
É seguindo para interior da relação entre escola, professor e aluno, que Rubem Alves traz uma série de expressões relevantes, no sentido de estabelecer o núcleo fundamental desta relação tríplice. Primeiro, conforme visto, ele traz a relação entre a fome de comer e a fome de saber, tratando o sentido desta fome, a partir de sua definição como afeto: “(...) o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado”. E para saber, precisa-se que se veja: a descoberta se dá pelo olhar. Quando vê, pensa: “(...) o pensamento é a ponte que o corpo constrói a fim de chegar ao objeto do seu desejo”. E: “(...) se o desejo for satisfeito, a máquina de pensar não pensa”. Isto porque, depois de conhecido, vem a fadiga de já se saber, quando quer novas experiências, novos conhecimentos. E os conhecimentos funcionam como “(...) extensões do corpo para a realização do desejo”, uma vez que, para o autor, a cabeça não pensa aquilo que o coração não pede e que os conhecimentos não nascidos do desejo são como uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia, ou seja, um homem sem fome. Por isso é preciso que o professor mantenha continuamente aguçando a curiosidade do aluno, este o seu primordial papel. Este, conforme visto, é o núcleo do capítulo do livro, denominado “Receita para se comer queijo”, onde o autor assinala de forma enfática a necessidade do aprendizado com o mesmo teor que se tem fome de comer. É nisso que o autor se baseia para defender que o papel do professor é acender a curiosidade, provocar comichão, estabelecer uma condição que provoque a coceira da idéia e estimule a busca pela produção do conhecimento.  E exemplifica isso com um verso de Adélia Prado: “Não quero faca nem queijo; quero é fome”. E ao reiterar de forma enfática seu posicionamento por esta condução, ele chama atenção para se evitar, como seu próprio testemunho de aprendizado, que os professores se revelem como éguas que perderam a curiosidade, felizes com as águas do ribeirão conhecido, mas como profissionais que evidenciam a incessante meta da procura, da busca e da curiosidade por novas experiências, saberes e prazeres do conhecimento. Neste sentido, o autor chama atenção para que o professor esteja sempre e criativamente voltado para novas descobertas, novos saberes, antenado com as novidades, notadamente tecnológicas, para fazer da sala aula um momento inesquecível a cada troca de experiência com os alunos. Além disso, a escola precisa ser revista no sentido de ofertar infraestrutura adequada para otimizar o papel do professor no processo ensino/aprendizagem. É nisso que ele se baseia para dizer: “(...) As instituições são criações humanas. Podem ser mudadas”.
Obra esclarecedora como esta é de fundamental importância para os debates e discussões acerca da educação contemporânea, especialmente no sentido de cada vez mais assentar o papel da escola na sua cidadania organizacional enquanto instituição de ensino e aprendizagem, por meio do cidadão professor na formação do aluno cidadão.

REFERÊNCIA:
ALVES, Rubem. O desejo de ensinar e a arte de aprender. Campinas: Fundação EDUCAR/ DPaschoal, 2004.

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