ERA UMA
VEZ CONTOS DE FADA... O REINO ENCANTADO DE TODAS AS COISAS
Era eu menino duns 5 ou 6 anos de idade,
quando li Moby Dick, de Herman Melville numa brochura que encontrei na
biblioteca do meu pai. Eu tinha uma curiosidade medonha para saber que segredo
havia nos livros para meu pai viver debruçado sobre eles o tempo todo. Quando
terminei essa leitura, encontrei Monteiro Lobato e devorei tudo. E de levada vieram
as fábulas de La Fontaine, as história de Andersen, dos irmãos Grimm, Lewis
Carrol, Perrault, Dickens e as Mil e uma noites. Logo me agarrei no volume do
Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, e emendei por uma coleção que meu pai possuía
de Alexandre Dumas: Os três mosqueteiros, A tulipa negra, A casa de gelo. Uma
maravilha!
Quando descobri as Viagens de Gulliver,
do Jonathan Swift e fui devolvê-lo na estante, um outro volumoso me chamou a atenção:
Dom Quixote, de Cervantes. Daí, virei um menino ávido por leitura, cada vez
mais curioso e treloso de viajar nas imagens, criando meus personagens
invisíveis que brincavam comigo e procurando por mais livros, isso incomodando
tanto o meu pai que andava muito ocupado, me fazendo abusar da bondade da
professora e bibliotecária Jessiva Sabino de Oliveira que me dispôs, pra meu
deleite, toda biblioteca pública da minha cidade natal. Pode? Imagine, oxe! Era
o mesmo que me entregar uma fábrica de brinquedos e guloseimas, tudo junto preu
usar e abusar.
Por causa disso, histórias e lendas
sempre me fascinaram, razão pela qual mergulhei de cabeça em coleções de lendas
do Brasil, de Câmara Cascudo e tudo que aguçasse minhas invencionices por toda puerícia.
Mais tarde, quando eu adaptei para o
teatro infantil o Valente Galozé da saudosa escritoramiga Elita Afonso
Ferreira, com a criação das Edições Bagaço, depois de cursado Letras, que me
debrucei em estudos sobre a Literatura Infantil. Foi quando li Bettelheim
(1980), Franz (1980), Salem (1970), Coelho (1987), Bravo-Villasante (1977),
Dieckemann (1986), Scha (1986), Cagnetti (1986) e Carvalho (1985), que fui
tomando pé da situação e, por tabela, conjuguei estudos sobre teatro, música e
educação infantis.
Entretanto, só quando estava na faculdade
de Direito, que o então professor de Sociologia, Ivan Brandão, deu cloro nas
minhas pesquisas a respeito do assunto. Que coisa, hem? Pois é, foram mais de
10 anos de pesquisa, redundando em compor umas músicas, adaptar uns textos
teatrais e, finalmente, publicar o meu primeiro livro infantil, O reino
encantado de todas as coisas, em 1992, pelas Edições Bagaço.
Estudos me levaram a entender que, em
conformidade com Ginzburg (1989), Reis (2008), Biglia (2009), Vida (2008),
Alves (2007), Borges (2011) e Aurichio (2012), que os contos de fadas são
narrativas no tempo/espaço, aparentemente fora da realidade conhecida e que são
fontes de inspiração, lidam com todas
as experiências da vida diária, revestidas de fantasia no reino do faz de conta
e que representavam uma metáfora da realidade.
Como muito
bem diz Abramowicz
(1998, p. 52) “Os contos desempenham
uma função de mediação, de intermediários, desde a sua criação [...] uma
mediação entre a oralidade e a escrita”, tornando-se, com isso, ferramentas que
ajudam na preparação, no despertar e no entendimento da busca mística do
domínio da vida. Enfatiza o autor que essas narrativas contribuem mais ainda
para ensinar as verdades eternas, dando experiência para a vida.
Melhor as conclusões
que trouxeram Mattar
(2007), Carvalho (2009) e Fujimura (2006), entre outros, reiteradas por
Ostrovsky (2011, p. 46), considerando a ideia de que essas histórias, contos,
fábulas, causos ou fantasias, contribuem para a formação do ser humano,
auxiliando na “[...] Aquisição do conhecimento, na revelação das diferenças, no
cultivo da sensibilidade e da imaginação, expansão da linguagem, estimulo à
inteligência, cultivo da memória e da atenção, estimulo à criatividade e ao
desenvolvimento abstrato, interesse pela leitura”.
Esse estudo do Ostrovsky (2011) delineou
os fundamentos básicos, a importância e os principais elementos e sua
interpretação, bem como uma análise de algumas histórias.
A sua abordagem me fez reler Schaa (1986)
enfatizando o estímulo da imaginação e o desenvolvimento da consciência e da
imaginação na criança.
De fato, estudos acadêmicos dos mais
diversos apontam para a importância da leitura de fábulas, contos, fantasias e
narrativas infanto-juvenis por parte dos pais e filhos, notadamente pelos pais
com o objetivo de fomentar o hábito da leitura na dimensão da sua convivência,
contribuindo para um melhor desenvolvimento da formação dos seus filhos, bem
como para possibilitar o enriquecimento de experiências no âmbito familiar.
Faço coro parafraseando Schaa (1986):
literatura, teatro e música infantil são os melhores presentes para a garotada,
por serem o verdadeiro reino encantado de todas as coisas.
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