FAZ-DE-CONTA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL - Para a mestre e
doutora em Psicologia, Maria de Lima Salum Morais, uma das principais questões
da brincadeira de faz-de-conta traz o entendimento de que a criança, no
brinquedo, é relativamente livre das pressões ambientais ou impostas pela
realidade social; a criança não distingue ou confunde formas e níveis de
realidade; a criança acredita, é consciente de que, ao brincar, está lidando
com uma realidade diferente daquela do cotidiano; e que o brinquedo difere da
realidade na medida em que há comportamentos que são inibidos numa situação
real, mas permitidos se encarados como brinquedo. Ao constatar que a criança,
ao mesmo tempo em que atinge maior realidade, através de imitações mais
perfeitas, cada vez mais se distancia de sua realidade, está implícito que se
podem distinguir ao menos dois níveis de realidade: a realidade individual ou
subjetiva, a nível de vivências internas, se contrapõe à realidade objetiva,
partilhada. Ao mesmo tempo que no brinquedo imaginativo experimenta uma
realidade que não é a sua corriqueiramente, a criança de 4 a 5 anos parece
distinguir muito bem a ficção da realidade objetiva. Os benefícios apontados
são externos ao brinquedo, mas a distinção entre o brincar e a realidade é
essencial, também dentro do grupo de brinquedo, para que a criança possa
compreender o comportamento dos parceiros na brincadeira. Faz parte das regras
do jogo compreender quando há ou não simulação e uma violação das regras pode
acarretar o término do brinquedo. Estabelece-se ainda um outro nível de relação
entre fazer-de-conta e realidade: a relação social do grupo maior a que os indivíduos
pertencem. A criança incorpora as expectativas, valores, opiniões, papéis e
relações presentes na macro-sociedade, que constituem a realidade social mais
ampla. A criança, na brincadeira coletiva, é também restrita e controlada pelos
valores do grupo de brinquedo que são incorporadas da realidade social mais
ampla: ser forte, influente, assertivo. A representação de papéis no brinquedo
coletivo pode, ainda, ajudar a criança a perceber a complementaridade dos papéis
sociais que representa simbolicamente. Por exemplo, ao brincar de família, são
distribuídos entre os participantes do grupo os papéis de pai, mãe, filhos e
outros, como empregada, avó, etc. O brinquedo sociodramatico possibilita,
também, o treino na representação de papéis adultos numa situação segura, em
que erros de desempenho não são punidos, como seriam na vida real. Essa é, da
mesma forma, uma das prerrogativas do Psicodrama. Se a criança é constantemente
restrita e controlada pelos adultos em sua conduta de vida diária, pode ser
através do brinquedo e do grupo de companheiros que ela se sinta eficaz e
adquira um senso de domínio sobre o mundo. Constatamos que a criança se mantém
por longos períodos em situação de simulação, acrescentando novas
transformações simbólicas quando a situação de brinquedo aproxima-se de um
desenlace. Assim, os indivíduos são feridos ou mortos e depois reabilitados. Se
uma criança, saindo de uma nave espacial, corre o risco de perder-se no espaço,
ela é recuperada ou o tema do brinquedo é mudado. Outro motivo possível para
brincar é o de que, por estar a criança num estado de pouca ativação, ou de
monotonia, por falta de estimulação externa suficientemente incentivadora, ela
se volta para suas experiências internas, procurando nelas o que o mundo
externo perdeu em poder de estimulação. Através do reviver de experiências
passadas, agradável ou penosamente perturbadoras, a criança conseguiria
manter-se num nível ótimo de ativação. Quando a brincadeira perde as características
estimuladoras, ela recorre a novos elementos para tornar sua atividade
novamente interessante. É viável supor-se que a situação segura do brinquedo –
em que os erros são punidos suavemente pelos membros do grupo – pode reduzir o
medo e a ansiedade que certas situação produziriam na vida real. E nesse
sentido, a criança procuraria explorar suas reações e experiências para reduzir
a carga de ansiedade que algumas situações lhe trazem, numa posição mais segura
e menos amedrontadora que a da vida real. Essa é a posição do “como se” que
ocorre espontaneamente no brinquedo e que se propicia no cenário
psicodramático.
REFERÊNCIAS
GONÇAVES, Camila (Org.). Psicodrama com crianças: uma
psicoterapia possível. São Paulo: Ágora, 1988.
MORAIS, Maria de Lima Salum. Psicodrama e participação
social: faz-de-conta e participação social. In: GONÇAVES, Camila (Org.).
Psicodrama com crianças: uma psicoterapia possível. São Paulo: Ágora, 1988.
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