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Friday, May 08, 2009

MÃE


Imagem: Mariana in the Moated Grange, 1850-51, do pintor e ilustrador pré-rafaelista ingles, Sir John Everett Millais (1829-1896).

MÃE

Mãe, me deste a benção para Deus me seguir. E eu, louvado, a ti dedico o amor infinito das estrelas.

Hoje sigo errante com o sentimento esconjurado.

Longe do teu seio nada tem mais vigor. Por isso eu te dedico minha canção perene, a minha desatinada canção de amor perdida nos desencontros do meu país.

Sou da tua carne o fruto, o teu sacrifício, a tua dor mulher.

Foi no teu seio que encontrei amparo.

Foi no teu seio que fui feliz.

Foi no teu seio que aprendi a justiça. E nele vivi a sede eterna e o ter na repartição da coragem no chão.

Sou a vez do teu ventre na queda do rio incólume.

Sou ainda aquela criança com os olhos de amanhã roçando tua pele e descobrindo a vida na tua dedicação.

Sou ainda aquela criança espevitada correndo peralta pelas névoas da lembrança no meio do mormaço da tarde.

Sou ainda aquela criança que não sabe a distância entre o sim o não nos cacos de sonho.

Sou aquela criança que sonhava a paixão pela professora dedicada e prestimosa fazendo um barulho que lateja no meu sexo, peito e cabeça.

Sou aqueles olhos vermelhos com todos os sustos da roda gigante pelas labaredas do medo.

Sou aquele menino arriado com as dores de fígado dentro da noite com vômitos surpreendentes na sala de aula.

Sou a teimosia infantil no insulto da vó empunhando chicote que marcaram bolhas estigmatizadas no termo das coisas.

Nada mais sou que aquele do namoro inocente com a tia,

Das aventuras amarradas no pano do pescoço,

Da barulhada imitando todas as máquinas dos motores ensurdecedores.

Foi preciso a vida de 30 anos para sentir o desterro de Água Preta, a violenta decepção dos anos, o fumo logo cedo e as aprontações no Ginásio Municipal.

Foi preciso a vida de mais de 30 anos para rever as noites insones com vô em Badalejo, a solidão eterna dos canaviais que expeliam a fumaça e eu tossia mais que tuberculoso.

Foi preciso a vida de mais de 30 anos para saber que Batman era o sonho dos desenhos na televisão com a revolucionária Aninha mandando ver nas arengas e a passiva Anginha olhando tudo e aplaudindo com seu jeito tatibitati e o mimo exagerado por Geórgia abrindo a festa com tantas outras formas de não se saber dizer o que fazer.

Foi preciso mais que 30 anos para entender que o dia não era um só nas coleções de gibi, no medo do coração de Jesus, na adoração fanática pelo pai, na fuga pro mundo ainda precoce pé na bunda e tataritaritatá!

Foi preciso a vida de mais de 30 anos para que revisse a correria na bolinha jogada no campo de barro pelo bairro adolescente, no esgoelar desafinado na cantoria imaculada, no namoro escondido, no casório antecipado, na colhida de Carma quando a fuga era a saída para o sorriso e nas safadezas de Pai Lula ensinando que a vida não é só uma reza boba no cantinho do quarto.

Foi preciso mais que 30 anos para saber da reprovação na escola, no ginásio e no colégio doendo nos corredora da faculdade por causa da pressa louca de conhecer o amanhã logo amanhã de manhã.

Foi preciso mais que 30 anos para que tudo sinalizasse nos desejos que chegaram muito cedo com as moças e mulheres que rodeavam meu dengo e mimavam minhas vontades.

Hoje sigo errante com todos os mitos daquela manhã religiosa comigo, o cérebro azeitado e a cabeça nas nuvens, a ternura fria de todos, a minha embriagues sempre exaltada, o exílio voluntário, a separação, a lâmina cortando a carne, o adulto órfão, o tempo e mais nada.

Hoje sigo errante e ainda brotam desejos nas ilusões montadas pelas quimeras que desabam na certeza incontida de vencer o mundo em alta velocidade e já.

Hoje sigo errante na penúria e luxo disfarçados.

Entre o riso na cara lavada e o choro guardado no peito.

Porque quando me vires abatumado pelos recantos de toda geografia deste país, é que estou vigilante eterno do meio onde vivo e da natureza de nossa vida.

Quando me vires gritando pelas esquinas é que sustento o choro no peito de milhares de filhos deserdados e amaldiçoados de sempre.

Quando me vires marchando nas ruas é que estou cantando o meu canto no futuro.

Quando me vires varando de noite é porque não encontrei amparo no dia.

Quando me vires chorar é que ainda não fui feliz.

Quando me vires rompendo divisas é porque continuo a semear o melhor de ti, lutando incansavelmente pelos caminhos duros do amanhã.

© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.

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