BRINCARTE

BRINCARTE
BRINCARTE

Monday, August 18, 2014

POEMAS INFANTIS DE MARIO QUINTANA


RUA DOS CATAVENTOS

II

Dorme, ruazinha.... é tudo escuro....
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos...

Dorme... não há ladrões, eu te asseguro...
Nem guardas para acaso persegui-los...
Na noite alta, como sobre um muro...
As estrelinhas cantam como grilos....

O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha... não há nada...

Só os meus passos... mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração...

XXIV

A ciranda rodava no meio do mundo,
No meio do mundo a ciranda rodava.
E quando a ciranda parava um segundo,
Um grilo, sozinho no mundo, cantava...
Dali a três quadras o mundo acabava.
Dali a três quadras, num valo profundo...
Bem junto com a rua o mundo acabava.
Rodava a ciranda no meio do mundo....
E o Nosso Senhor era ali que morava,
Por trás das estrelas, cuidando o seu mundo...
E quando a ciranda por fim terminava
E o silêncio, em tudo, era mais profundo,
Nosso Senhor esperava... esperava...
Cofiando as suas barbas de Pedro Segundo.

CANÇÕES

Canção da primavera

Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.

Catavento enlouqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.

Dancemos todos, dancemos,
Amadas mortos, amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo...

Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!

Canção de outono

O outono toca realejo
No pátio da minha vida.
Velha canção, sempre a mesma,
Sob a vidraça descida...
Tristeza? Encanto? Desejo?
Como é possível sabê-lo?
Um gozo incerto e dorido
De caricia a contrapelo....

Partir, ó alma, que dizes?
Colher as horas, em suma...
Mas os caminhos do outono
Vão dar em parte nenhuma!

SAPATO FLORIDO

O poema

Uma formiguinha atravessa, em diagonal, a página ainda em branco. Mas ele, aquela noite, não escreveu nada. Para quê? Se por ali já havia passado o frêmito e o mistério da vida...

Que haverá no céu?

Se não houver cadeiras de balanço no céu.... que será da tia Élida, que foi para o céu?

Mentira?

A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.

ESPELHO MÁGICO

LXIII – Das falsas posições

Com pele do leão vestiu-se o burro um dia.
Porém no seu encalço, a cada instante e hora,
“Olha o burro! Fiau! Fiau!” gritava a bicharia..;
Tinha o parvo esquecido as orelhas de fora!

LXVI – Dos defeitos e das qualidades

Diz o elefante às rãs que em torno dele saltam:
“Mais compostura! Ó céus! Que piruetas incríveis!”
Pois são sempre, nos outros, desprezíveis
As qualidades que nos faltam...

MÁRIO QUINTANA – O poeta, tradutor e jornalista brasileiro Mário Quintana (1906-1994) é um dos maiores poetas da Literatura Brasileira. Veja mais aqui.

REFERÊNCIAS
QUINTANA, Mario. Poesias. São Paulo: Globo, 1989.
______. Nova antologia poética. Rio de Janeiro: Codecri, 1981.