O DESEJO
DE ENSINAR E A ARTE DE APRENDER - O livro “O desejo
de ensinar e a arte de aprender”, do educador, escritor e psicanalista Rubem
Alves, aborda questões atinentes à educação, especificamente a respeito do
ensinar e o aprender. Para tanto, na primeira parte ele trata da “Curiosidade é
uma coceira nas ideias”, abordando a questão do desejo de conhecer, da
curiosidade e do desafio pela busca do conhecimento, acusando, por outro lado,
a escola como deformadora de crianças pela simples cumprimento de programas e
burocracias dos currículos, ao invés de se preocupar com o desafio da
aprendizagem. Em seguida ele enfoca “Perguntas de criança...”, acerca da
obrigatoriedade do aluno ir a escola e de aprender, desconhecendo se é aquilo
que ele quer aprender, ao mesmo em que sinaliza para as limitações dos
programas e das pessoas como parâmetro para ignorância, denunciando que os
professores seriam “(...) éguas que perderam a curiosidade, felizes com as
águas do ribeirão conhecido”, chamando atenção para o fato de que as
instituições criadas pelos homens podem ser mudadas. Na parte seguinte, ele
traz “Receita pra se comer queijo” onde faz um paralelo entre o oficio do
cozinheiro e a fome, com o professor e o aprender. Diz ele que o cozinheiro de
verdade é aquele que sabe produzir fome, levando a crer que o professor de verdade
é aquele que instiga buscas para o desejo de saber. Logo após ele traz “Não é
próprio falar sobre os alunos...”, onde ele se ressente que os professores
falam de tudo, programas, currículo, trabalho, menos dos seus ou de alunos,
chamando atenção que “(...) alunos não são unidades biopsicológicas móveis
sobre os quais devem-se gravar os mesmos saberes”, uma vez que eles são o alvo
da prática pedagógica e razão de existir da escola. Adiante vem “Aprendo porque
amo”, onde apresenta a questão da necessidade de se estimular a curiosidade, a
fome e a sede de saberes, a vontade de aprender e a sedução do aprendizado. A
partir disso traz “É brincando que se aprende”, onde enfatiza a necessidade do
desafio, da busca por conhecer os mínimos detalhes dos mecanismos e das
tramitações para se obter o prazer do conhecimento. É quando chega a vez da
“Experiência; a Escola da Ponte”, onde ele apresenta um modelo diferente de
pratica pedagógica numa escola portuguesa. Daí surge “Novas formas de ver”,
considerando a forma como se realizou o seu contato com a Escola da Ponte e
passou a ter conhecimento do seu funcionamento. Na parte referente aos “Os
primeiros sustos”, o autor apresenta como se deu seus primeiros contatos com a
escola em referência, quando se viu na obrigação de esquecer tudo que aprendeu
para poder entender a escola visitada. Aí surge a parte dedicada aos
“Professores aprendizes”, quando apresenta de que forma os alunos interagem e
aprendem/ensinam com outros alunos da escola, sem divisórias ou discriminações,
e são conduzidos por professores que funcionam como assessor na condução de
suas investigações. É quando em seguida traz a parte “Dentro da escola”, onde
ele ressalta o contato das crianças, umas com as outras, e com as professoras e
livros. Depois vem “Mistérios do dicionário”, onde relata o compromisso de uma
criança em ensinar e trabalhar um texto de ensino para uma criança menor,
procurando no dicionário uma palavra adequada para a receptora. Depois vem “Os quadros de ajuda” onde
descreve a presença de um enorme quadro contendo, de um lado as necessidades de
cada aluno anotada e, de outro, a oferta dos saberes de outros alunos para
interessados em aprender. Segue “O grande tribunal” onde é relatado que quando
ocorre de bagunça ou de alunos indisciplinados, consta que não há envolvimento
dos professores ou alunos na punição, havendo, pois, a existência de um
tribunal que se ocupa dos aspectos disciplinares. É quando surge a parte “O
direito à alegria”, onde o autor ressalta que o papel da escola é manter a
fantasia, o desafio da criação imagética e alegria de aprender, nunca moldando
esta criança a uma forma enquadrada de programas e currículos, ou seja, a
escola, para ele, deve criar as condições possíveis para a experiência da
alegria. Daí “Cada aluno é único” onde ele chama atenção para o fato de que os
alunos não são linha de montagem de uma fábrica, nem todas são iguais,
devendo-se, com isso, a escola trabalhar totalidades com experiências alegras e
motivadoras. Em seguida “Grandes horizontes”, onde o autor relaciona a
necessidade da oferta de um cardápio de opções variada na comida, sendo o mesmo
necessário também na pratica educativa onde o professor precisa apresentar um
menu variado de brincadeiras e experiências no sentido de estimular a curiosidade
e a procura pelo saber dos alunos. Logo após vem a parte “O direito de não
ler”, onde o autor descreve a forma de como as crianças iniciam as suas
atividades com um plano de trabalho onde se encontra o realizado e o planejado
do seu projeto de investigação, obedecendo ao rol de direitos e deveres
determinados pela convenção dos alunos, professores e funcionários da escola. É
quando entra em cena a parte “As duas caixas” onde o autor apresenta as duas
partes do corpo: uma caixa de ferramentas, onde estão o que se aprende e o que
se realiza; e uma caixa de brinquedos, onde se encontra o prazer da descoberta,
do desafio da brincadeira e da vontade curiosa de aprender. Então vem a parte
“Leis e direitos”, onde ele narra de forma detalhada o pacto social feito pelos
alunos, professores e funcionários já mencionado na parte anterior. Aí surge a
parte “Acho bem e acho mal”, onde ele anota o posicionamento das crianças a
respeito das coisas vistas e pesquisadas, onde elas assinalam se acha bem ou
mal. Daí vem a parte “O todo e as partes”, onde o autor reitera que na Escola
da Ponte não se aprende letras nem sílabas, apenas totalidades. Por fim, vem a
“Brincar é coisa séria”, onde o autor fala do mundo novo que descobriu ao
conhecer a Escola da Ponte, sinalizando o aprender como algo divertido.
O escritor, educador e
psicanalista paulista Rubem Alves, é doutor em Filosofia pela Universidade
Princenton – EUA, e professor emérito da Universidade Estadual de Campinas –
UNICAMP. Ele autor de diversos livros, entre eles “O desejo de ensinar e a arte de
aprender", uma obra que reúne reflexões em formato de crônicas, abordando
o desejo de ensinar e a arte de aprender, relatando, ainda, da experiência
obtida pelo autor na Escola da Ponte, em Portugal. Trata-se de uma obra é
revolucionária, diga-se de passagem. E é assim porque confronta cânones que se
encontram cristalizados na raiz da educação e permeiam as discussões atuais
acerca da escola, professores e alunos, a relação entre eles, como o papel do
professor como depositante de conteúdos para descobrir competências; o
professor seguidor à risca do programa e currículo formado por burocratas que
sequer vivenciam a sala de aula; os professores donos da verdade e depositários
de todo saber; os professores que ensinam, conduzem e são responsáveis pela
virtude e todo conhecimento que seus alunos obtenham; os alunos que devem ser
amestrados para serem atenciosos, quietos, comportados e prontos para aprender
tudo que o professor mandar; a escola que é vista como o templo sagrado de todo
o conhecimento; e que a escola e o professor são as indubitáveis fontes do
saber. Essas e outras coisas a esse respeito são hoje o centro dos debates na
busca por uma escola inclusiva, integradora, cidadã e democrática.
O processo revolucionário da obra se inicia quando o autor faz
referência clara ao personagem Joseph Knecht, de umas das obras-primas de
Hermann Hesse, “O jogo das contas de vidro”, bem como dos personagens centrais
dos filmes “O banquete de Babete” e “Como água para chocolate”, demonstrando o
horizonte vastíssimo das propostas de sua visão. Acresce a tais ilustrativas ideias,
um fundamento teórico baseado a partir de Aristóteles, Brunno Bettelheim,
Ludwig Wittgenstein, Adélia Prado, Marshal McLuhan, Nietzschie e Unamuno, no
sentido de melhor expressar os alicerces teóricos de sua idéia pratica.
Tudo começa pela forma coloquial com que o autor chama a atenção
para o desejo de ensinar e a arte de aprender que são dois pólos distintos e
que precisam, inevitavelmente, de sintonia e conexão. Não se pode jamais haver
êxito numa relação de ensino/aprendizagem onde possa haver dissonância ou
dicotomia na comunicação entre ambas. Isto quer dizer que o ensino deve estar
voltado indubitavelmente para o aprender. Sem o aprender o ensino não tem
sentido. E é nesta linha que ele começa com uma coceira nas ideias, figura das
mais representativas para demonstrar a comichão que deve ser a necessidade de
aprender, de saber, de obter o conhecimento, de assanhar a curiosidade. Nisso,
ele se reporta a necessidade do adulto se posicionar feito criança: “Todos os
homens, enquanto criança, têm, por natureza, desejo de conhecer”. E este deve
ser, obviamente, o objetivo de qualquer pessoa durante a sua existência: o de
aprender e buscar o saber. No entanto, defende ele que este aprendizado deve
ser feito com prazer, nunca na base do “(...) É fácil obrigar o aluno a ir à
escola. O difícil é convencê-lo a aprender aquilo que ele não quer aprender”.
Tal sinalização deixa claro, já preliminarmente, que é preciso aguçar a
curiosidade, estimular o aprender, a vontade de saber das coisas, tomando
ciência da necessidade de saber para sair da ignorância, evitando, portanto, o
que o autor realça de Brunno Bettelheim, quando “(...) os professores tentaram
ensinar-lhe coisas que eles queriam ensinar mas que ele não queria aprender”, o
que resultou no fracasso que todos os estudantes, professores, pesquisadores,
pedagogos e pessoas ligadas ao ensino/aprendizagem constatam na realidade
atual: “(...) Não aprendeu e, ainda por cima, ficou com raiva”.
Tal sinalização é o núcleo das reflexões do autor na parte
“Receita pra se comer queijo”, onde ele chama atenção para a necessidade de se
rever o papel da escola e do professor no processo de ensino/aprendizagem, bem
como a visão desses mesmos profissionais com relação aos alunos, porque “(...)
Que as crianças querem aprender, disso não tenho a menor dúvida”, ninguém tem
mesmo dúvida a respeito. Resta saber como proceder de forma prazerosa e
motivadora na relação professor/aluno. Com isso, o autor traz a ideia de que a
fome de comer é um afeto. E este mesmo afeto deve ser a fome de aprender. E
cabe ao professor despertar este afeto no aluno.
É seguindo para interior da relação entre escola, professor e
aluno, que Rubem Alves traz uma série de expressões relevantes, no sentido de
estabelecer o núcleo fundamental desta relação tríplice. Primeiro, conforme
visto, ele traz a relação entre a fome de comer e a fome de saber, tratando o
sentido desta fome, a partir de sua definição como afeto: “(...) o movimento da
alma na busca do objeto de sua fome. É o Eros platônico, a fome que faz a alma
voar em busca do fruto sonhado”. E para saber, precisa-se que se veja: a
descoberta se dá pelo olhar. Quando vê, pensa: “(...) o pensamento é a ponte que
o corpo constrói a fim de chegar ao objeto do seu desejo”. E: “(...) se o
desejo for satisfeito, a máquina de pensar não pensa”. Isto porque, depois de
conhecido, vem a fadiga de já se saber, quando quer novas experiências, novos
conhecimentos. E os conhecimentos funcionam como “(...) extensões do corpo para
a realização do desejo”, uma vez que, para o autor, a cabeça não pensa aquilo
que o coração não pede e que os conhecimentos não nascidos do desejo são como
uma maravilhosa cozinha na casa de um homem que sofre de anorexia, ou seja, um
homem sem fome. Por isso é preciso que o professor mantenha continuamente
aguçando a curiosidade do aluno, este o seu primordial papel. Este, conforme
visto, é o núcleo do capítulo do livro, denominado “Receita para se comer
queijo”, onde o autor assinala de forma enfática a necessidade do aprendizado
com o mesmo teor que se tem fome de comer. É nisso que o autor se baseia para
defender que o papel do professor é acender a curiosidade, provocar comichão,
estabelecer uma condição que provoque a coceira da idéia e estimule a busca
pela produção do conhecimento. E
exemplifica isso com um verso de Adélia Prado: “Não quero faca nem queijo;
quero é fome”. E ao reiterar de forma enfática seu posicionamento por esta
condução, ele chama atenção para se evitar, como seu próprio testemunho de
aprendizado, que os professores se revelem como éguas que perderam a
curiosidade, felizes com as águas do ribeirão conhecido, mas como profissionais
que evidenciam a incessante meta da procura, da busca e da curiosidade por
novas experiências, saberes e prazeres do conhecimento. Neste sentido, o autor
chama atenção para que o professor esteja sempre e criativamente voltado para
novas descobertas, novos saberes, antenado com as novidades, notadamente
tecnológicas, para fazer da sala aula um momento inesquecível a cada troca de
experiência com os alunos. Além disso, a escola precisa ser revista no sentido
de ofertar infraestrutura adequada para otimizar o papel do professor no
processo ensino/aprendizagem. É nisso que ele se baseia para dizer: “(...) As
instituições são criações humanas. Podem ser mudadas”.
Obra esclarecedora como esta é de fundamental importância para os
debates e discussões acerca da educação contemporânea, especialmente no sentido
de cada vez mais assentar o papel da escola na sua cidadania organizacional
enquanto instituição de ensino e aprendizagem, por meio do cidadão professor na
formação do aluno cidadão.
REFERÊNCIA:
ALVES, Rubem. O desejo de ensinar e a arte de aprender. Campinas:
Fundação EDUCAR/ DPaschoal, 2004.
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