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Saturday, January 05, 2013

LENDAS DO NORDESTE – O GARROTE JAUARAICICA




O GARROTE JAUARAICICA


Noite escura no Reino Encantado de Todas as Coisas.

A meninada toda aboletada no chão da varanda do casarão, à espera de mais uma contação de histórias do Pai Lula.

Quando ele chegou todo com ar misterioso e olhos esbugalhados, foi logo dizendo com uma voz amedrontadora:

Era uma vez, Nitolino estava todo arrumado de domingueira, quando foi levado por sua avó pra festa do padroeiro São José da Agonia, em Água Preta, nas terras do Pernambuco.

Era uma tarde quente e o povo pra lá e pra cá se espremia desfrutando de roletes de cana, canjica, pipoca, arroz doce, roda gigante e outros entretenimentos.

A locução da difusora da festa anunciava ofertas musicais pros enamorados, parentes e presentes.

A rua toda tomada de gente de todas as localidades davam-na como a maior festa da redondeza.

Eis que no meio da multidão surge um garrote escuro e bravo botando todo mundo pra correr.

Na fração de segundos, não havia ninguém mais nas imediações, só Nitolino e o touro que fumaçava pelas ventas, fitando-o como quem vai pegá-lo.

Eita, boi brabo danado!

Nitolino olhou pros lados e não viu ninguém, nem onde se esconder. Olhou pros quatro cantos e mais percebia a fúria do boi vindo em sua direção.

Aí, ele não teve dúvidas e começou a carreira descendo a ladeira pra sua casa. E o boi correndo atrás dele. Subia a calçada da direita e o boi atrás. Atravessou a rua, o boi atrás, foi pra calçada da esquerda e o boi atrás. Entrou dentro de casa e o boi atrás. Quando chegou ao quintal, o boi já lhe alcançando, livrou-se dele, do desembestado enfiar os chifres na beirada do brejo que corria atrás da sua casa.

Nitolino escondeu-se num quarto escuro no quintal, tremendo que só, enquanto o boi mugia brabo tentando se livrar da sua prisão. Libertando-se, largou um rugido estrondoso e desapareceu.

Dizem que aquele garrote era o Jauaraicica, uma abusão medonha, tido como filho da vaca Estrela, criado pela mãe-dágua e que costumava aparecer no meio da seca do sertão.

Era um bicho gordo, bonito, preto que nem breu no escuro e vivia de dar marradas em boi de maior tamanho, derrubando cercas e arrazando roçados.

Ele era indomável, subia em pedra lisa, removia tudo pela frente e desafiava qualquer vaqueiro.

Até que um dia, contam que um certo Zé Preto foi contratado pelo coronel Serzenando para dar cabo daquele troço que lhe causava prejuízo na fazenda.

O vaqueiro saiu montado no seu cavalo com matulagem no prazo de uma semana para capturá-lo.

Passou-se mais de mês e Zé Preto perseguia o garrote por tabuleiros, pelas matas, pelo agreste, pela caatinga, pela Várzea Pequena, pelas serras dos Francos e do Araripe, pela feira de Quixadá, por Jaguaribe, pelas terras de Quixeramobim, nos pastos em Muxiopó, por Rinaré e pela serra Azul, só encontrando no caminho onças esfareladas, bois estirados, vaqueiros aleijados, matas destroçadas, todo tipo de bicho morto.

Já desperançado, quando chegou na serra dos Mocós, bem na beirinha do açude Uirapiá, deu de cara com o bicho que fumaçava pelas ventas e tirava fogo das pedras.

Foi aí que ele gritou: - Vou te pegar, desgraçado!!!

Começou o poeirão de durar horas e só se ouviu o timbungue deles dentro do remoinho do açude de nunca mais saber notícia deles.

O Nitolinlo salvou-se dessa e o negócio entrou pela perna pinto, saiu pela perna de pato, ficou assim sendo e vamos brincar no maior espalhafato.

FONTE:
LOPES, Moacir. Chão de mínimos amantes. São Paulo: Francisco Alves, 1961.
DANTAS, Paulo (Org.). Estórias e lendas do norte e nordeste. São Paulo: Edigraf, s/d.

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