O GARROTE JAUARAICICA
Noite
escura no Reino Encantado de Todas as Coisas.
A meninada
toda aboletada no chão da varanda do casarão, à espera de mais uma contação de
histórias do Pai Lula.
Quando ele
chegou todo com ar misterioso e olhos esbugalhados, foi logo dizendo com uma
voz amedrontadora:
Era uma
vez, Nitolino estava todo arrumado de domingueira, quando foi levado por sua avó
pra festa do padroeiro São José da Agonia, em Água Preta, nas terras do
Pernambuco.
Era uma
tarde quente e o povo pra lá e pra cá se espremia desfrutando de roletes de
cana, canjica, pipoca, arroz doce, roda gigante e outros entretenimentos.
A locução
da difusora da festa anunciava ofertas musicais pros enamorados, parentes e
presentes.
A rua toda
tomada de gente de todas as localidades davam-na como a maior festa da
redondeza.
Eis que no
meio da multidão surge um garrote escuro e bravo botando todo mundo pra correr.
Na fração
de segundos, não havia ninguém mais nas imediações, só Nitolino e o touro que
fumaçava pelas ventas, fitando-o como quem vai pegá-lo.
Eita, boi
brabo danado!
Nitolino
olhou pros lados e não viu ninguém, nem onde se esconder. Olhou pros quatro
cantos e mais percebia a fúria do boi vindo em sua direção.
Aí, ele não
teve dúvidas e começou a carreira descendo a ladeira pra sua casa. E o boi
correndo atrás dele. Subia a calçada da direita e o boi atrás. Atravessou a
rua, o boi atrás, foi pra calçada da esquerda e o boi atrás. Entrou dentro de
casa e o boi atrás. Quando chegou ao quintal, o boi já lhe alcançando,
livrou-se dele, do desembestado enfiar os chifres na beirada do brejo que
corria atrás da sua casa.
Nitolino escondeu-se
num quarto escuro no quintal, tremendo que só, enquanto o boi mugia brabo
tentando se livrar da sua prisão. Libertando-se, largou um rugido estrondoso e
desapareceu.
Dizem que
aquele garrote era o Jauaraicica, uma abusão medonha, tido como filho da vaca
Estrela, criado pela mãe-dágua e que costumava aparecer no meio da seca do sertão.
Era um
bicho gordo, bonito, preto que nem breu no escuro e vivia de dar marradas em
boi de maior tamanho, derrubando cercas e arrazando roçados.
Ele era
indomável, subia em pedra lisa, removia tudo pela frente e desafiava qualquer
vaqueiro.
Até que um
dia, contam que um certo Zé Preto foi contratado pelo coronel Serzenando para
dar cabo daquele troço que lhe causava prejuízo na fazenda.
O vaqueiro
saiu montado no seu cavalo com matulagem no prazo de uma semana para capturá-lo.
Passou-se
mais de mês e Zé Preto perseguia o garrote por tabuleiros, pelas matas, pelo
agreste, pela caatinga, pela Várzea Pequena, pelas serras dos Francos e do
Araripe, pela feira de Quixadá, por Jaguaribe, pelas terras de Quixeramobim, nos
pastos em Muxiopó, por Rinaré e pela serra Azul, só encontrando no caminho
onças esfareladas, bois estirados, vaqueiros aleijados, matas destroçadas, todo
tipo de bicho morto.
Já
desperançado, quando chegou na serra dos Mocós, bem na beirinha do açude Uirapiá,
deu de cara com o bicho que fumaçava pelas ventas e tirava fogo das pedras.
Foi aí que
ele gritou: - Vou te pegar, desgraçado!!!
Começou o
poeirão de durar horas e só se ouviu o timbungue deles dentro do remoinho do açude
de nunca mais saber notícia deles.
O Nitolinlo
salvou-se dessa e o negócio entrou pela perna pinto, saiu pela perna de pato,
ficou assim sendo e vamos brincar no maior espalhafato.
FONTE:
LOPES,
Moacir. Chão de mínimos amantes. São Paulo: Francisco Alves, 1961.
DANTAS,
Paulo (Org.). Estórias e lendas do norte e nordeste. São Paulo: Edigraf, s/d.
VEJA MAIS
LENDAS DO NORDESTE: