BRINCANDO COM ELITA
Brinquedo de criança
Que eu vou brincar
Contigo nesta noite
Eu quero me embalar
Coisas de infância
Que eu vou sonhar
Com novas brincadeiras
Que eu vou inventar
Brincando de cantiga
Que eu vou cantar
Cantando a minha vida
Que já vai começar
Pular amarelinha
Ou estudar toda lição
São coisas que a gente
Vai guardar no coração
Ou pula academia
Ou faz a roda ou garrafão
Jogando bola o tempo todo
Para alegrar nossa canção
Capelinha de melão
É de São JoãoÉ de cravo, é de rosa
É de manjericão
Pular corda direitinho
Pula fora, não
Se pular a corda fora
Leva um beliscão
O seu rei mandou dizer
Pra cantar outra canção
Que a cantiga já ta feita
E não tem outra não
Não tem outra não
Não tem outra não
Não tem outra
Não.
Entra Clarinha.
CLARINHA
Respeitável público! Hoje é dia da criança porque todo dia é dia de ser
feliz! E ser criança é ser feliz. E felicidade é brincar e nós vamos
brincar. Como eu represento a letra “A”, eu sou A de amigo, A de amor.
Hoje tem espetáculo? Boca-forno, forno. Furar o bolo, bolo. Vocês farão
tudo que o seu mestre mandar? E para abrir o nosso show, eu chamo o
radiante, o mais cantante, o mais vibrante, o mais destemido! O Valente
Galozé!
Entra Valente Galozé.
VALENTE GALOZÉ
Obrigado, obrigado, obrigado. Eu sou da família dos galiformes e
fasianídeas. E estou no mundo desde o século VII a.C. Surgi na Ásia e já
fui pinto, já fui frango. Hoje sou galo mais valoroso deste mundo!
Palmas para mim! Eu sou o mais radiante porque todas as manhãs eu acordo
o sol com o meu canto. Sou o mais cantante porque bato as asas acordando
a meninanda. Com o meu bico eu fuço terra e tenho o meu sustento. Sou
destemido porque sou rei com a minha crista carnuda. Por isso eu canto
forte, todo mundo comigo:
Eu sou um galo que faz o que bem quer.
Chamo a manhã pra você ficar de pé.
Quem é que é? Quem é que é?
Eu sou o valente Galozé!!!
E aqui eu represento a letra “E”.
CLARINHA
Palmas pro Valente Galozé. (APLAUDINDO. PARA A PLATÉIA) Vocês sabem por
que os galos cantam? Não? Vou contar para vocês! (SENTANDO NO
PROSCÊNIO). É o seguinte: O Leão um dia resolveu dar uma festa e
convidou todos os bichos. Na hora dos festejos de arromba, foi chegando
tudo. Menos o galo. O Leão foi conferir os convidados. Um a um ele foi
marcando a presença. Deu, por fim, falta do galo. Aí o Leão disse: -
Cadê o desgraçado do Valente Galozé? -, todos ficaram óóóóóóóóóóóó! Mas
que desfeita, logo contrariar o rei das selvas! Óóóóóóóóóóó! Foi aí que
o rei Leão mandou dois gambás trazer o galo à marra. Os dois servis
saíram e chegaram no galinheiro fazendo muita desordem. Foi quando
toparam o Valente Galozé que se encontrava dormindo. Aí eles disseram: -
Valente Galozé, você está preso! Você faltou à festa do rei Leão. Aí o
Valente Galozé começou a chorar, chorou, implorou e os gambás
arrastaram-no até a presença do Leão que, muito bravo, reclamou: - Galo
duma figa! Por que desobedeceste ao meu real convite? Vais pagar caro
por esse atrevimento. O Valente Galozé, todo se tremendo e chorando,
suplicou de sua alteza que, na horagá, resolveu aliviar na pena. Pois
bem, disse o rei Leão, a partir de agora não vais mais dormir a partir
da meia-noite e terás de cantar todo santo dia! Serás o vigilante da
madrugada, sentinela sempre de alerta!Se dormires, se não cantares nas
horas indicadas, tu com tua família, correrás o risco de ser comido
pelos animais inimigos. Assim não esquecerás mais e ficará punida tua
falta de consideração. Aí o Valente Galozé agradeceu e até hoje vive
cantando na madrugada para acordar os que precisam trabalhar.
VALENTE GALOZÉ
Eita, mas tá fazendo um frio.
CLARINHA
É, está fazendo friiiiiiiiiio. Uuuuh. Que frio, hem? E está ventando.
Ambos tremem de frio. Entra Pipinha.
Quando aos ares vou subindo
Extasiado vou sorrindo
Nas delícias de voar.
Vou cantando, vou sonhando,
Quando vejo estou voando,
Sobre a terra, sobre o mar...
PIPINHA
Uuuuuuuu! Uuuuuuuu! (SOLFEJANDO). Eu sou a brisa e agito o dia e a noite
no vento. E venho dentro entre duas águas na morada dos golfinhos e
tartarugas. Eu sou da praia e sopro nas dunas, matas, florestas. Sou o
que resta da passagem que canta nos coqueirais. Levo a semente e preparo
os temporais. Sou a miragem que dança nos mirantes. E sigo errante pelos
rios seculares e sou brincante nas ondas altas dos mares. Também trelosa
pra bulir com toda ação, na salvação do meu amigo Guaiamum, que viu
Tufão e procura o rio que ficou de cabeça pra baixo. Como um facho, eu
resolvo a confusão. Eu sou Pipinha, a brisa trelosa e represento a letra R.
CLARINHA
Palmas pra Pipinha!
VALENTE GALOZÉ
Eita que ela chegou bulindo tudo.
PIPINHA
Ah, é você meu amigo Valente Galozé?
VALENTE GALOZÉ
Todinho e mortinho de frio.
CLARINHA
Que bom que você veio, Pipinha. Eu e o Valente Galozé estamos querendo
brincar. Vamos brincar?
PIPINHA
Vamos. De quê?
VALENTE GALOZÉ
Vamos brincar de que eu sou o rei e vocês as súditas.
AS DUAS.
Ah, não.
VALENTE GALOZÉ
Vamos brincar de hospital. Eu sou o médico e vocês as doentes.
AS DUAS.
Não.
VALENTE GALOZÉ
Vamos brincar de.... de....
AS DUAS
Não.
VALENTE GALOZÉ
Mas eu nem disse, ora!
AS DUAS
Não. Suas brincadeiras é só de rei, médico, essas coisas. A gente quer
brincar de coisa mais animada.
PIPINHA
Peraí. Por que a gente não chama o Jó?
CLARINHA
Ótimo. Vamos chamar o Jó?
TODOS
Vamos! Ô Jó! Jó! Jó!
Escravos de Jô
Jogavam caxangá
Tira, bota, deixa o Zé Pereira entrar
Guerreiros com guerreiros
Fazem zigue, zigue, zá
Guerreiros com guerreiros
Fazem zigue, zigue, zá
Entra Jó.
JÓ
Nasce o dia e a criança sorri de alegria com a vida nas mãos. O coração
na primavera parece quimera feita de sol, onde brincam arrebóis em
sonhos coloridos entre bemóis e também sustenidos que são exibidos na
cantiga da infância como a fragrância de tudo reunido.
Vem a tarde e o menino já é um rapaz com os olhos iguais aos que viram
no mundo. E vão lá no fundo do que vêem agora, muito embora não vejam de
tudo. Quando falam, são mudos. Quando riem, desnudos. E devem acordar.
Preferem singrar solidões mais noturnas, usurpando as dunas de tudo
alcançar.
Cai à noite e já homem feito se acha perfeito, é de hoje e nada sabe.
Não quer que desabe sua arquitetura e toda sua aventura suspira no
tempo, audaz nos tormentos e inquietações. São mais solidões seguindo a
pisada, segue a sua estrada escorraçada da terra. Emperra e desanda,
peleja de banda entre farpas e mesquinharias. Ferve em demasia,
enganando a esperança. Alcança faíscas e chamas onde inflama a fúria, a
ira, o alarido. Está mais perdido e ao se adiantar, não avança. Ao
recuar, mais se cansa. Quando volta, não há mais saída. E retoma na
lida, nada divisa, não há direção.
Quando então se madruga é hora de recomeçar, re-arrumar o destino e a
sina. É quando desatina e se estende nos céus, desvela os seus véus na
mais longe das terras. E se encerra no mais largo dos mares, penando
pesares, com as forças exaustas. O que há de vergasta, o que há de
perverso, são espelhos reversos e fazem-no olhar para trás. Dar a mão à
criança, ao menino e ao rapaz, refazendo o homem que jaz de mãos dadas
com a vida, quando tem por guarida só a comunhão para ver que a vida
está na palma da mão.
Eu sou o gentil Jó, descendente de Naor, irmão de Abraão. Moro na terra
de Uz onde hoje é a Arábia. Sou juiz imparcial agindo em nome da
justiça. Defendo as viúvas, sou pai dos meninos órfãos e amigo para os
que estão aflitos. Aqui, represento a letra F.
CLARINHA
Palmas para Jó. (PARA JÓ) Ô, Jó, a gente quer brincar. Todos nós
queremos brincar. Vamos brincar de quê?
JÓ
Deixe ver....
VALENTE GALOZÉ
Eu já dei umas idéias mas ninguém quer.
PIPINHA
Jó, só você sabe muitas brincadeiras. Vamos brincar, vamos!
JÓ
Deixe ver, deixe ver....
CLARINHA
Oba, o Jó vai fazer brincadeira com a gente!
TODOS
Obaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!
Entra o Poço da Panela irritado.
POÇO DA PANELA
Que zoada é essa, blong! Você não me deixam, blog, descansar! Um
zoadeiro, blong, medonho, blong! Ou vocês param com essa algazarrar,
blong, ou vou afogar todo mundo, blong.
CLARINHA
Quem é você?
TODOS
Quem é você?
POÇO DA PANELA
Eu sou o...
(CANTANDO)
O Poço da Panela na beira do Capibaribe.
O Poço da Panela na beira do Capibaribe.
Da panela virei poço
De doce gosto milagroso por fé de Nossa Senhora
Sou cacimba e santuário
Do Recife centenário
E Casa Forte na história.
O Poço da Panela na beira do Capibaribe.
O Poço da Panela na beira do Capibaribe.
Já fui saudado nas mangueiras
Por todas as lindas jaqueiras
E por todo arraial
Já fui folguedo pra muito rojão
Foi festejo da abolição
Coisa linda e natural.
O Poço da Panela na beira do Capibaribe.
O Poço da Panela na beira do Capibaribe.
Sou o Poço da Panela e represento a letra N.
CLARINHA
Palmas pro Poço da Panela.
VALENTE GALOZÉ
Sim, sim. Tudo bem. E do que a gente vai brincar?
PIPINHA
De timbungar!
JÓ
De rima, remar!
POÇO DA PANELA
De correr o rio pro mar!
VALENTE GALOZÉ
Não gostei de nenhuma dessas brincadeiras!
CLARINHA
Mas gente, tem que haver uma brincadeira que todos queiram. Ah, apareceu
a Margarida!
Onde está a Margarida, olê, olê, olá
Onde está a Margarida, olê, seus cavalheiros.
(TODOS FAZENDO RODA E RESPONDENDO)
Ela está em seu castelo, olê, olê, olá
Ela está em seu castelo, olê, seus cavalheiros.
PIPINHA (cantando)
Mas eu queria vê-la, olê, olê, olá
Mas eu queria vê-la, olê, seus cavalheiros.
TODOS NA RODA (cantando):
Mas o muro é muito alto, olê, olê, olá
Mas o muro é muito alto, olê, seus cavalheiros.
PIPINHA (tirando Clarinha e cantando)
Tirando uma pedra, olê, olê, olá
Tirando uma pedra, olê, seus cavalheiros.
TODOS (cantando)
Uma pedra não faz falta, olê, olê, olá
Uma pedra não faz falta, olê, seus cavalheiros.
PIPINHA (tirando o Valente Galozé e cantando)
Tirando uma pedra, olê, olê, olá
Tirando uma pedra, olê, seus cavalheiros.
TODOS (cantando)
Uma pedra não faz falta, olê, olê, olá
Uma pedra não faz falta, olê, seus cavalheiros.
PIPINHA (tirando Jó e cantando)
Tirando uma pedra, olê, olê, olá
Tirando uma pedra, olê, seus cavalheiros.
TODOS (cantando)
Uma pedra não faz falta, olê, olê, olá
Uma pedra não faz falta, olê, seus cavalheiros.
PIPINHA (tirando Jó e cantando)
Tirando uma pedra, olê, olê, olá
Tirando uma pedra, olê, seus cavalheiros.
TODOS (cantando para Margarida)
Apareceu a Margarida, olê, olê, olá
Apareceu a Margarida, olê, seus cavalheiros.
MARGARIDA
Eu sou a formosa Margarida, que o bem-me-quer, ou mal-me-quer. Sou
bonita, sou bonina, sou do monte, sou rainha, sou quaresmeira,
funcionária, sou silvestre, sou amarela, sou da árvore, sou do campo,
sou do transval ou da Gerbéria, eu sou menor e maiorzão, eu sou rasteira
e bem pequenininha, eu sou pérola e represento a letra “L”
Entra Violeta.
Sou bela e fagueira
Gentil e trigueira
Morena e faceira
Do campo adorada.
Sou ainda menina
Pois é minha sina
Viver na campina
De flores cercada.
VIOLETA
Eu sou Violeta e também quero brincar. Sou lealdade, modéstia e
simplicidade. Sou da paz, de sorte e de beleza. Eu sou brilhante e
preferida nos jardins. Eu sou presente aos amigos, sou emblema de
Toulouse, sou pra confeitaria. Como sou púrpura, sou roxo. Floro da
primavera até o verão, sou perfume de abril e agosto. Estou nas
varandas. Eu sou linda, sou aveludada. Minhas cinco pétalas são
arredondadas. Estou nos prados e nas varandas, símbolo dos
recém-casados. E represento a letra “A”.
PIPINHA
Agora podemos brincar.
VALENTE GALOZÉ
Eu não.
JÓ
Eu quero brincar.
MARGARIDA
Eu não.
VIOLETA
Eu quero brincar.
POÇO DA PANELA
Quero não.
CLARINHA
Peraí, gente. Quem é a favor da brincadeira? Para o lado direito. Quem
não quer brincar? Pro lado esquerdo. Então, estão 3 de um lado que
querem brincar, e tem 3 do outro lado que não querem brincar. Então.
Vamos ver quem é que ganha. Vocês pegam dum lado da corda. E vocês do
outro. Vamos puxar, quem vencer vai brincar!
Pipinnha, Violeta e Jô puxam de um lado. Margarida, Valente Galozé e o
Poço da Panela, do outro. Enquanto puxam a corda uns aos outros,
Clarinha canta:
CLARINHA (cantando)
Eu tenho um gatinho
chamado Cetim
É alegre e mansinho
E gosta de mim.
Bem cedo, na cama,
Vai ele: miau
E tanto me chama
Que até fica mau.
Inventa brinquedos
E pula no chão.
Eu fico com medo.
Não tenho razão?
Mas ele é mansinho
Ferir-me não vai
Se eu fosse um ratinho
Então: ai...ai...ai...
Tem quatro patinhas
Com unhas assim:
Curvadas, fininhas.
São garras enfim.
Mas nunca merece castigo.
Isto não.
Cetim me obedece
De bom coração.
Entra o Gato.
GATO
Eu sou um gato, eu sou felídeo. Sou animal de estimação.
Entre os egípcios já fui deus, já fui punido na Idade Média, tenho visão
apurada, sou um mestre dos sentidos. Bigode pra frente sou curioso e
tranqüilo, colado no rosto estou me defendendo e sou agressivo. Não
atire o pau no gato. E represento a letra “T”.
O Gato vai torcer pelos do contra. Entra a Gata a favor da brincadeira.
GATA
Sou a deusa da fertilidade e também da felicidade, sou benfeitora e
protetora. Sou pintada. Desperto fascínio em todos e provo minha
utilidade, e sou selvagem e quando caio estou de pé. E represento a
letra “O”.
Ouve-se um estrondo. Todos se amedrontam. Entra o Papa-Figo.
PAPA-FICO
Eu sou Papa-figo e trago esse saco nas costas, e trago presentes, doces,
dinheiro, brinquedos e comidas.
TODOS
Êêêêêê!!!
GALOZÉ
Viva o Papa-figo!
TODOS
Vivaaaaaaaaaaaa!
PIPINHA
Mas ele é o Papa-figo, vai levar as criancinhas.
VIOLETA
Veja como ele tem as orelhas grandes!!!
MARGARIDA
Ele sofre de uma doença terrível que é a sua maldição. Mas só se cura se
alimentando do fígado das crianças.
GATA
Mamãe já me disse: não aceite presente de estranhos.
Todos ficam com medo e se afastam. O Papa-Figo diz:
PAPA-FIGO
Eu sou Papa-figo, mas não sou mal não. Só pego os meninos
mal-comportados, desobedientes, teimosos ou chorões. E represento a
letra “F”.
Entra A Caipora, Cumade Fulozinha.
CUMADE FULÔZINHA (montada no porco-do-mato e carregando sua vara)
Não se preocupem crianças, eu sou a Caipora, a Cumade Fulosinha e
represento a letra A. Vou proteger vocês desse Papa-Figo feio. (Para
Papa0figo): Ei, Papa-Figo, não vai cumprir meu acordo?
PAPA-FIGO
Que acordo?
CUMADE FULÔZINHA (fazendo barulho)
A gente fez um acordo de caça. Sou o espírito protetor dos animais da
floresta.
PAPA-FIGO
Não tenho trato com você nem enfrento mulher. Desafio um cabra-macho que
queira comigo pelejar. E a peleja é na quebra-de-braço, quero que macho
vai me destronar.
JÓ
To fora. Não se briga.
PAPA-FIGO
Desafio o Poço da Panela que deve ser de cor amarela de afrouxar na horinha.
POÇO DA PANELA (SE APRESENTANDO PRO DESAFIO COM PAPA-FIGO)
Vamos lá.
PAPA-FIGO
Vamos ver quem é mais macho.
Começa a peleja entre os dois. Para apartar a briga dos dois, entra a Velha.
VELHA
Eu sou a vovó e sou do arco da velha, do arco-íris de Portugal.
Represento a letra S e essa briga quero acabar.
Velhinha meiga e santa,
Tu és, ó mãe, no lar,
O astro que me encanta,
Estrela a cintilar.
Cravina, amor-perfeito,
Hortênsia ou margarida
És, mãe, o mais perfeito
Crisol em minha vida
Mãezinha terna e pura
Escuta os versos meus
São feitos de ternura
À luz dos olhos teus.
És tudo em minha vida,
Ó luz do meu cismar...
Estrela ao chão caída,
Que anseia ao céu voltar.
Todos cantam e aplaudem a Vovó.
PAPA-FIGO
Serra, serra, serra a velha
Puxa a serra, serrador
Que esta velha deu na neta
Por lhe ouvir falar de amor
Serra, ai serra! Serra a velha
Puxa, puxa, ai, serrador
Serra a velha – ai, viva a neta
Que falou falas de amor
Serra! – a pipa é rija
Serra! – a velha é má
Serra! – a neta é bela
Serra – e serra já
TODOS
Óoooooooooooooóooooó!!!!
VOVÓ
Mas o que é isso, hem?
POÇO DA PANELA
Você tá fazendo arte
De eu meter-lhe em sujeição
Chamo aqui por dois soldados
E te ponho na prisão...
Você preso não é nada,
O diabo é levá facão.
PAPA-FIGO
Mergulhim, se eu dé-lhe um baque,
Tenho pena de você;
Cai o corpo pruma banda
E a cabeça, pode crê
Passa das nuvens pra cima,
Só volta quando chovê.
JÓ
Serrador, dou-te um conselho
Só porque sou teu amigo;
Uma cobra te mordendo,
Não é tão grande perigo,
Antes de brigar com governo
Do que ter questão comigo.
PAPA-FIGO
Desafiador que nem você
Eu puxo pra estribaria
E, embora eu tenha trabalho,
Corto capim todo dia.
Eu também quando me zango
A língua dança quadrilha.
GATO
Serrador nas minhas unha
Passa mal que se agoneia
Dou-lhe almoço de chicote
Janta pau, merenda peia,
De noite ceia tapona
E murro no pé da uréia.
PAPA-FIGO
Desafiador que nem você
Nem que venha de punhado,
Lá no meio dos infernos,
Fedendo a chifre queimado,
Hão de cair no chicote
De meu uso acostumado.
VALENTE GALOZÉ
Papa-figo, desgraçado
Queira Deus você não rode
Não enfrente que sou macho
Você quer porém não pode
Se cair nas minhas unha
Hoje aqui nem Deus acode.
PAPA-FIGO
Desafiador como você
Na minha terra se chama:
Gafanhoto de jurema,
Borboleta de imburana,
Roubador do tempo alheio
Empatador de semana.
VOVÓ
Podem parar, podem parar, podem parar!
PAPA-FIGO
Estava a velha em seu lugar
Veio a mosca lhe fazer mal
A mosca na velha e a velha a fiar.
VALENTE GALOZÉ
Estava a mosca em seu lugar
Veio a aranha lhe fazer mal
A aranha na mosca
A mosca na velha e a velha a fiar
CLARINHA
Estava a aranha em seu lugar
Veio o rato lhe fazer mal
O rato na aranha
A aranha na mosca
A mosca na velha e a velha a fiar
PIPINHA
Estava o rato em seu lugar
Veio o gato lhe fazer mal
O gato no rato
O rato na aranha
A aranha na mosca, a mosca na velha e a velha a fiar
JÓ
Estava o gato em seu lugar
Veio o cachorro lhe fazer mal
O cachorro no gato
O gato no rato
O rato na aranha
A aranha na mosca
A mosca na velha e a velha a fiar
POÇO DA PANELA
Estava o cachorro em seu lugar
Veio o pau lhe fazer mal
O pau no cachorro
O cachorro no gato
O gato no rato
O rato na aranha
A aranha na mosca
A mosca na velha e a velha a fiar
MARGARIDA
Estava o pau em seu lugar
Veio o fogo lhe fazer mal
O fogo no pau
O pau no cachorro
O cachorro no gato
O gato no rato
O rato na aranha
A aranha na mosca
A mosca na velha e a velha a fiar
VIOLETA
Estava o fogo em seu lugar
Veio a água lhe fazer mal
A água no fogo
O fogo no pau
O pau no cachorro
O cachorro no gato
O gato no rato
O rato na aranha
A aranha na mosca
A mosca na velha e a velha a fiar
GATO
Estava a água em seu lugar
Veio o boi lhe fazer mal
O boi na água
A água no fogo
O fogo no pau
O pau no cachorro
O cachorro no gato
O gato no rato
O rato na aranha
A aranha na mosca
A mosca na velha e a velha a fiar
GATA
Estava o boi em seu lugar
Veio o homem lhe fazer mal
O homem no boi
O boi na água
A água no fogo
O fogo no pau
O pau no cachorro
O cachorro no gato
O gato no rato
O rato na aranha
A aranha na mosca
A mosca na velha e a velha a fiar...
VOVÓ
Pára com isso! Já estou cansada de fiar. Ô, seu Papa-Figo, ou o senhor
se emenda ou chamo a Magia para lhe dar um conserto.
Papa-Figo fica zombando quando entra Magia.
MAGIA
Eu sou a magia, sou a Grande Ciência Sagrada dos dos Magos, sei os
segredos da natureza e as coisas ocultas do céu. Sou a divindade de todo
universo e represento a letra “O”. Mas sei que a Vovó está ingincada com
esse Papa-figo.
PAPA-FIGO
Não tinha coisa melhor para me desafiar não, é?
MAGIA
Você vai ver como dou um jeito nessa sua pacutia, seu Papa-Figo. Pelos
poderes da Tamarineira! Não, não é isso. Abracadabra! Salaminguê!
Retentê! Sacabuiniada! Tataritaritatá!
O Papa-Figo fica duro. E Magia continua dizendo palavras mágicas. Aí o
Papa-Figo vai se mexendo devagar, com ar de abestalhado, sonado, zumbi,
só debilitado.
MAGIA
Pelo sinal
Do bico real
Comi toucinho
Não me fez mal
Se mais houvesse
Mais eu comia
Adeus, minha gente
Até outro dia...
Magia vai saindo quando a turma toda aplacou sua fuga, mandando ela de
volta para desinfeitiçar o Papa-Figo.
MAGIA
Com capa ele não dança
Sem capa não pode dançar
Pra dançar se bota a capa
Tira-se a capa pra dançar...
PAPA-FIGO (apatetado)
Ôoooooôoooôooooôooo.
MAGIA
Valha-me Deus
E Santa maria
Nunca vi um bicho desse
Tão ruim de pacutia
Meu são Francisco das Chagas
Meu santo do Canindé
Eu sei que santo não voga
Naquilo que Deus não quer...
Um, dois, feijão com arroz,
Três, quatro, feijão no prato,
Cinco, seis, chegou minha vez
Sete, oito, comer biscoitos,
Nove, dez, comer pastéis.
Na segunda não fiz nada
Na terça nada fiz
Na quarta nada farei
Na quinta formei tenção
Na sexta fui passear
No sábado é que voltei
E no domingo fiz as contas
Do tudo quanto gastei...
PAPA-FIGO (zonzeado mas tornando ao normal)
Òooooooooooo!
MAGIA
Pronto. A-rá! Num disse!
PAPA-FIGO (Meio grogue)
Eu pego você.
MAGIA
Eita, Vovó, não deu jeito. Vamos chamar o Rio São Domingos.
TODOS
São Domingos!
Enquanto o Papa-Figo vai se recuperando, entra o Rio São Domingos.
Canta e corre, cachoeira
Corre e canta, sem parar
Todo dia, a noite inteira
Pois tua sina é cantar.
SÃO DOMINGOS
Sou rio que nasci na Espanha e ando no mundo a correr. Sou a tocha acesa
que alumia o mundo inteiro. E represento a letra E. (PARA TODOS) Minhas
amiguinhas e meus amiguinhos, qual é o problema?
VOVÓ
São Domingos o senhor tem que dar um jeito nesse Papa-Figo.
MAGIA
Ele está querendo estragar nossa brincadeira.
SÃO DOMINGOS
Não se preocupem. (SE AJOELHA E COMEÇA A REZAR) Pai nosso....
PAPA-FIGO
Nem com a reza da cabra-preta eu vou deixar vocês brincar!
Papa-Figo se apruma e começa ameaçar a todos. Todos se recolhem num
canto e ele urrando. Todos com medo.
MAGIA
Ah, vovó agora vou chamar o Cordel.
Entra Cordel.
CORDEL
Eu sou folheto de cordel e conto a história de tudo que acontece. Conto
do cavalheiro e da menina, do lanceiro e da Catirina, do cabra macho e
da alma feminina. Sou pendurado num barbante, nas feiras, nos mercados,
nas rieiras, entre estudados, nas praças e bancas de cada lado. Faço nos
meus versos a voz dos cantadores que improvisam seus dissabores. Sou
poeta popular, representante do povo, repórter do novo e todos
acontecimentos da vida. De tudo eu narro, do Papa-figo, do compadre e do
inimigo, tudo é fonte de cantar. Por isso estou aqui e represento a letra I.
MAGIA
Ah, Cordel, que bom que você veio. Este Papa-figo está aqui
amedrontrando todo mundo e não deixando ninguém brincar.
CORDEL
Este infeliz é criação minha. Está nas minhas páginas e só eu posso
desinfeitiçar!
Entra o Berimbau. Som de berimbau.
BERIMBAU
Sou encantado. Colorido e enfeitado. E de percussão. Sou da capoeira
irmão. E trago o dobrão, vareta e caxixi. Meu som na cabaça aqui vai
fazer você dançar. E represento a letra “E” e essa briga eu quero ver.
Cordel vai enfrentar o Papa-Figo. Quando entra a Flauta.
FLAUTA
Eu sou a flauta e canto a princesa. E represento a letra R. Vou
enfeitiçar esse Papa-Figo pro Cordel poder contar.
Som de flauta e berimbau. Cordel dançando capoeira e o Papa-Figo só
esperando para dar o bote. Os dois se enfrentam na capoeira. Quando
entra o Pai.
Todos em casa se alegram
Cantam festiva canção
Sabem vocês a quem damos
Preces, amor, gratidão?
Ao papai, ao papai, ao papai.
PAI
Eu sou o pai, sou mágico. Eu tiro o coelho da cartola, E represento a
letra “I”. e canto para Clarinha:
Filhinha, és estrela
Que vive a cintilar
Com estrela e pirilampo
No céu do nosso lar...
PAI
E venho com a Bagaço que traz o remédio que vai desencantar esse Papa-figo.
Entra Bagaço. Traz um ungüento e dá pro Papa-Figo. Esse fica bom na hora.
BAGAÇO
Eu sou Bagaço, da cana-de-açúcar. Sou alimento pro gado. Sou fonte de
energia. E represento a letra R.
PAI
O Papa-figo não é mau, ele apenas estava doente, já tomou o remédio e
está curado.
TODOS
Vivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
CLARINHA (ORGANIZANDO TUDO)
Chegou a hora! (FALANDO COM TODOS, EM UNÍSSONO)
Chegou a hora de resolver a questão
De saber quem é quem é?
Qual é qual é?
De saber quem é e quem não é cristão
Não sabe não, não sabe não.
Eu já sei, eu já sei
Aquele que vê Cristo em seu irmão
Esse é esse é um bom cristão.
TODOS (CANTANDO)
Venha pegar alvorada
Na barra do dia
No sol a raiar
Essa mais pura magia
Da nossa folia
Feliz de cantar
Venha pegar alvorada Na troça vadia
No passo a pular
Venha prá sã fantasia
Sem a pacutia
Ou pantim de chiar
Faça a partir desse dia
A sua sadia vontade de paz
Que a vida tem valia
Se a gente é quem faz.
Todos se reúnem organizados por Clarinha e falam:
TODOS
Salve ELITA AFONSO FERREIRA!!!!
© Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
PERSONAGENS:
CLARINHA
VALENTE GALOZÉ
PIPINHA,
MARGARIDA APARECEU
PAI – AS MÁGICAS DO MEU PAI
O GATO
VIOLETA – CANTEIRO
CUMADE FULÔZINHA – A CAIPORA
JÓ – ESCRAVOS DE JÓ
GATA PINTADA
POÇO DA PANELA
VOVÓ – HISTÓRIAS DO ARCO DA VELHA
MAGIA DA TRANSFORMAÇÃO
PAPA-FIGO
O BERIMBAU ENCANTADO
A FLAUTA – O FLAUTISTA E A PRINCESA
PIPINHA, A BRISA TRELOSA
O RIO SÃO DOMINGOS
CORDEL – ZÉ LANCEIRO E CATIRINA
MÚSICAS & TEXTOS ADAPTADOS USADOS:
Criança (Luiz Alberto Machado)
Porque os galos cantam de madrugada (Lindolfo Gomes, recolhido por
Afonso Schmidt. In: Antologia ilustrada do folclore brasileiro. São
Paulo: Edigraf, 1965).
Para um encontro fraterno (I. Damião Clemente)
A velha a fiar (folclore brasileiro)
Escravo de Jô (Folclore luso-brasileiro)
Cetim (Música do folclore americano. Letra de Zalina Rolim).
Estrela e Pirilampo (C.G. Fernandes/Franklin Dória)
Caxangá (Luiz Alberto Machado)
Poço da Panela (Luiz Alberto Machado)
O Papa-Figo (Gilberto Freire. In: Casa grande & Senzala. Rio de Janeiro.
Livraria José Olympio, 1988).
Serra-Velha (recolhido por Teófilo Braga, registrado por Henriqueta
Lisboa. In: RIBEIRO, Wagner. História da Música da América. São Paulo:
FTD, 1965).
Batalha de Sinfrônio Pedro Martins com Miguel Passarinho (recolhido por
Câmara Cascudo. In: Vaqueiros e cantadores. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/USP, 1984).
Serrador – João Faustino (recolhido por Leonardo Mota. In: Cantadores.
Rio de Janeiro: Cátedra, 1978).
Batalha de Manuel Martins de Oliveira, o Nego Martins, com Francisco
Sales, o cego de Itapipoca. Recolhido por Rodrigues de Carvalho. In:
CASCUDO, Luis da Câmara. Vaqueiros e cantadores. Belo Horizonte/São
Paulo: Itatiaia/USP, 1984).
Canção do papai (Luiz de Nadal – Rubem Pillar)
Canção do aviador (Maria A. Lorena Barbosa)
Menino brejeiro (Wagner Ribeiro – Nabor Fernandes)
Velhinha, meiga e santa (C. G. Fernandez – Lafaiete Spinola Castro)
Corre cachoeira (Wagner Ribeiro – Luis Otavio)
Alvorada (Luiz Alberto Machado)
Valente Galozé (Luiz Alberto Machado)
Pipinha (Luiz Alberto Machado)