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Monday, January 19, 2009

OS JOGOS DE CECILIA MEIRELES



SONHOS DA MENINA

A flor com que a menina sonha
Está no sonho?
Ou na fronha?
Sonho
Risonho:
O vento sozinho
No seu carrinho.
De que tamanho
Seria o rebanho?
A vizinha
Apanha
A sombrinha
Na teia de aranha...
Na lua há um ninho
De passarinho.
A lua com que a menina sonha
É o linho do sonho
Ou a lua da fronha?

O MENINO AZUL

O menino quer um burrinho
Pra passear.
Um burrinho manso,
Que não corra nem pule,
Mas que saiba conversar.
O menino quer um burrinho
Que saiba dizer
O nome dos rios,
Das montanhas, das flores,
- de tudo o que aparecer.
O menino quer um burrinho
Que saiba inventar
Histórias bonitas
Com pessoas e bichos
E com barquinhos no mar.
E os dois sairão pelo mundo
Que é como um jardim
Apenas mais largo
E talvez mais comprido
E que não tenha fim.
(Quem souber de um burrinho desses,
Pode escrever
Para a Rua das Casas,
Número das Portas,
Ao Menino Azul que não sabe ler).

OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol
Ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
Ou se põe o anel e não se calça a luva!”
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
Estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce
Ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo....
E vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
Se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
Qual é melhor: se é isto ou aquilo.

A POMBINHA DA MATA

Três meninos na mata ouviram
Uma pombinha gemer.
“Eu acho que ela está com fome”,
Disse o primeiro,
“e não tem nada para comer”.
Três meninos na mata ouviram
Uma pombinha carpir.
“Eu acho que ela ficou presa”,
Disse o segundo,
“e não sabe como fugir”.
Três meninos na mata ouviram
Uma pombinha gemer.
“Eu acho que ela está com saudade”,
Disse o terceiro,
“e com certeza vai morrer”.

COLAR DE CAROLINA

Com seu colar de coral,
Carolina
Corre por entre as colunas
Da colina.
O colar de Carolina
Colore o colo de cal,
Torna corada a menina.
E o sol, vendo aquela cor
Do colar de Carolina
Põe coroas de coral
Nas colunas da colina.

O CAVALINHO BRANCO

À tarde, o cavalinho branco
Está muito cansado:
Mas há um pedacinho do campo
Onde é sempre feriado
O cavalo sacode a crina
Loura e comprida
E nas verdes ervas atira
Sua branca vida.
Seu relincho estremece as raízes
E ele ensina aos ventos
A alegria de sentir livres
Os seus movimentos.
Trabalhou todo o dia, tanto!
Desde a madrugada!
Descansa entre as flores, cavalinho branco,
De crina dourada!

LEILÃO DE JARDIM

Quem me compra um jardim
Com flores?
Borboletas de muitas
Cores,
Lavadeiras e passarinhos
Ovos verdes e azuis
Nos ninhos?
Quem me compra este caracol?
Quem me compra um raio de sol?
Um lagarto entre o muro e a hera,
Uma estatua da Primavera?
Quem me compra este formigueiro?
E este sapo, que é jardineiro?
E a cigarra e a sua canção?
E o grilinho dentro do chão?
(Este é o meu leilão!).

O MOSQUITO ESCREVE

O mosquito pernilongo
Trança as pernas, faz um M,
Depois, treme, treme, treme,
Faz um O bastante oblongo,
Faz um S.
O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
Faz um Q,
Faz um U, e faz um I.
Esse mosquito
Esquisito
Cruza as patas, faz um T.
E aí,
Se arredonda e faz outro O,
Mais bonito.
Oh!
Já não é analfabeto,
Esse inseto,
Pois sabe escrever seu nome.
Mas depois vai procurar
Alguém que possa picar,
Pois escrever cansa,
Não é, criança?
E ele está com muita fome.

FONTE:
MEIRELES, Cecilia. Seleta em prosa e verso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.

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