[...] Hoje, aplicando a técnica de jogo, vemos que
a criança expressa com os brinquedos os mesmos conflitos e os interpretamos do
mesmo modo. Analisando jogos, fantasias e sonhos, Freud estudou as diferentes
formas simbólicas com que o menino representou o corpo da mãe e seus conteúdos:
uma banheira, um ônibus, um carro de mudanças, nos quais o denominador comum
era serem continentes cheios de conteúdo ou algo capaz de ter dentro coisas
menores e pesadas, como um ventre que aloja uma criança que depois cresce e
pesa. Posteriormente estendeu este significado ao processo da evacuação.
[...]
O estudo do desenho como meio de expressão da
criança tem sido um tema amplamente desenvolvido pela psicologia não analítica,
mas recebeu uma complementação definitiva e fundamental quando foi estudado seu
significado do ponto de vista psicanalítico.
[...]
A relação consciente-inconsciente é diferente
na criança e no adulto; o inconsciente está em estreito contato e é mais
permeável com o consciente na criança. Eles estão mais profundamente dominados
pelo inconsciente e por isso prevalece a representação simbólica. Na análise de
crianças nos encontramos com resistências tão marcadas como na análise de
adultos; manifestam-se como crises de angústia, como interrupção ou mudança de
jogo, aborrecimento, desconfiança, variando com os casos e com a idade. As
crises de ansiedade e medo são mais frequentes em crianças pequenas.
[...]
A ansiedade que surge na criança quando começa
a falar é enorme e se deve ao fato de que seu mundo se enriqueceu de modo
desproporcional a sua capacidade de expressão verbal. Não está seguro da
eficácia de seu novo instrumento de reparação. Pronunciar a primeira palavra
significa para a criança: 1 - o reaparecimento do objeto amado; 2 - a
experiência de que a palavra o coloca em contato com o mundo e que é um meio de
comunicação. Na realidade, é a recriação de um vínculo com o objeto interno que
externaliza e reexternaliza durante o jogo verbal. Essa linguagem egocêntrica
se transforma num contato com o mundo exterior, e pela aprendizagem, em
linguagem social, servindo pouco a pouco à criança para a construção de seus
sistemas de comunicação.
[...]
Destaquei muitas vezes que a análise de crianças,
bem como a de adultos, deve ser uma relação bipessoal, e que na técnica que
exponho não se concedem entrevistas com os pais, a não ser em circunstâncias
especiais e estipulando previamente as condições. Esclareci também que crianças
pequenas também são capazes de adaptar-se ao ambiente ou modificá-lo e que
considerava inútil toda a técnica que incluísse conselhos ou modifcações
ambientais.
PSICANÁLISE
DA CRIANÇA - O livro Psicanálise
da criança: teoria e técnica,
da psicanalista argentina de Arminda Aberastury (1910-1972), traduzido por Ana
Lucia Leite Campos, traz na primeira parte a história da técnica abordando a
análise da fobia de uma criança de cinco anos, o nascimento de uma técnica, duas
correntes em psicanálise de crianças e a psicanálise de crianças na Argentina.
Na segunda parte do livro é tratada a técnica atual com uma entrevista inicial
com os pais, 0 consultório, o material
de jogo, a caixa individual; problemas técnicos que surgem do seu uso diário, a
primeira hora de jogo; seu significado e as entrevistas posteriores com os pais,
Na terceira parte aparecem os casos clínicos com conflitos na elaboração do
luto, surgimento de ansiedades anal-sadomasoquistas enquistadas, entre outros
assuntos. Na quarta parte vem a profilaxia da neurose infantil com grupos de
orientação de mães e novas perspectivas na terapia.
REFERÊNCIA
ABERASTURY, Arminda. Psicanálise da criança: teoria e
técnica. Porto Alegre: Artmed, 1982.