A
CRIANÇA, VYGOTSKY E O TEATRO – A
linguagem é entendida como a faculdade de expressão humana disposta
sistematicamente como um meio pelo qual o homem expressa e comunica seus
sentimentos, emoções e ideias na fala, escrita ou expressão de signos
convencionados. Trata-se, portanto, de uma conquista fundamental do
desenvolvimento humano.
A
linguagem da criança é expressa desde o seu nascimento, comunicando suas
sensações, emoções e sentimentos por meio do riso, do choro ou pela emissão de
gestos e sons que vão desde os primeiros balbucios à expressão das primeiras
frases durante as mais diversas fases e etapas do seu desenvolvimento.
A
questão da linguagem infantil foi tema de diversos estudos e obras produzidas
pelo psicólogo, advogado e cientista bielo-russo Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934),
que foi o pioneiro na proposta conceitual de que o desenvolvimento da criança
ocorre em função das interações entre as condições da vida social. Preocupou-se
em estudar o processo mental da criança ao considerar o uso das palavras pela
necessidade de comunicação por meio da perspectiva socio-histórica. Para essa
teoria, os vários processos mentais são desencadeados concomitantemente, tanto
pelo ato de brincar, como de cantar, dançar, conversar, entre outros, por meio
das situações comunicativas das mais diversas interações sociais que se inserem
no desenvolvimento dos processos psicológicos da criança. Ao mesmo tempo,
debruçou-se Vygotsky nos estudos sobre as atividades artísticas, notadamente o
teatro que, segundo ele, possibilita os mais variados aspectos do
desenvolvimento humano, especificamente da criança.
É
em vista disso que o presente estudo foi desenvolvido sobre a temática da
contribuição do teatro no desenvolvimento da linguagem da criança, sob a
perspectiva socio-história de Vygotsky.
A LINGUAGEM INFANTIL NA
TEORIA SOCIO-HISTÓRICA DE VYGOTSKY - A
teoria sócio-histórica, conforme Bock, Gonçalves e Furtado (2009), tem por base
as ideias psicológicas de Vygotsky, fundamentada no marxismo e adotando a
filosofia, teoria e método do materialismo histórico e dialético. Por conta
disso, traz a concepção do homem como ser ativo, social e histórico,
abandonando e, ao mesmo tempo, criticando a visão abstrata do fenômeno
psicológico.
No
dizer de Fichtner
(2010), essa teoria está assentada na relação com o outro por meio das
interações tecidas ao longo da história de vida. Por consequência, para Porto e Kafrouni (2013), compreenderá o ser humano como
produto e produtor do meio em que se encontra inserido. Por essa visão, o ser
humano é produto pela apropriação dos valores culturais historicamente
construídos pela sociedade e que, por outro lado, o ser humano é produtor pelas
ações no ambiente para a modificação de si próprio e do seu exterior. Sob esse
aspecto, para a teoria socio-histórica, a linguagem passa a ser vista como uma
interação social.
Consideram Bock, Gonçalves e Furtado (2009, p. 23), que para essa
teoria “A linguagem é mediação para a internalização da objetividade,
permitindo a construção de sentido pessoais que constituem a subjetividade”. Tal fato se
prende ao entendimento de Luria (1986) de que a linguagem é a influência
mediadora do comportamento. Este por sua vez, é um reflexo da realidade externa
social e natural que, com a influência mediadora recebida, chegará à
autoconsciência que se definirá como resultado da consciência do mundo externo.
A linguagem também é importante para
Vygotsky (2008), tendo em vista ser o surgimento do pensamento verbal o momento
de definição da transição do biológico para socio-histórico. Tal afirmação encontra embasamento na
afirmação de Vygotsky (2008, p. 132) de que “[...] as palavras desempenham um
papel central não só no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução
histórica da consciência como um todo. Uma palavra é um microcosmo da
consciência humana”. Por essa condução, entende-se que o desenvolvimento humano
se realiza a partir das relações de trocas e expressões comunicativas por meio
dos processos da interação e mediação entre os parceiros sociais. Nesse
contexto, acrescenta Aguiar (2009, p. 130) que “[...] A linguagem é
instrumento fundamental no processo de mediação das relações sociais, por meio
do qual o homem se individualiza, se humaniza, apreende e materializa o mundo
das significações que é construído no processo social e histórico”. É o que observa Corsino (2006) ao considerar que a linguagem
para Vygotsky é um sistema simbólico básico de todos os grupos humanos,
responsável pela mediação entre o sujeito e o mundo, que exerce um papel
fundamental na comunicação entre as pessoas, no pensamento e no estabelecimento
de significados compartilhados que permitem interpretações dos objetos, eventos
e situações. Tal fato leva Malanga (2004) a entender que a linguagem passa a
ter inicio com o uso social
na comunicação interpessoal.
Torna-se evidente que na abordagem
sócio-histórica desenvolvida por Vygotsky (2008), a linguagem assume um papel
extremamente importante no processo de sistematização perceptiva, sendo,
portanto, o sistema simbólico básico de todos os grupos sociais e culturais.
No entendimento de Vygotsky (2003), a linguagem é um sistema de signos historicamente
construído que proporciona o desenvolvimento de uma forma de pensamento
expressado pela língua, tornando-a domínio dos meios sociais do qual depende o
crescimento intelectual da criança. É nesse sentido que o autor em comento
entende que o desenvolvimento da criança ocorre pela transformação do biológico
para o sócio-histórico.
A aquisição da
linguagem nessa teoria, conforme Furtado (2009, p. 80) que “[...] não é outra
coisa senão o processo de apropriação das operações de palavras que são fixadas
historicamente nas suas significações”. Em
vista disso, Oliveira (2014), Barros (2014), Magiolino (2010),
acrescentam que Vygotsky defendia que a linguagem é constituidora do sujeito,
que o pensamento evolui na criança sem linguagem e que estes estão conectados e
evoluindo dinamicamente com desenvolvimento humano. Além disso, assinalam Fichtner (2010)
e Bastos e Pereira (2014) que a fala é
desenvolvida pelos níveis pré-intelectual e pré-linguístico para ter uma
organização linguístico-cognitiva para aprendizagem dos signos, servindo ao
intelecto para verbalização do pensamento, e que a estrutura da fala é o
reflexo da estrutura do pensamento. Essa ideia traduz o sentido de que é
pela interação social que, segundo Vygotsky (2009), a criança tem acesso aos
modos de pensar e agir correntes em seu meio. A sua fala inicialmente por meio
de sons e sílabas possuem uma função afetivo-conativa do tipo prático. Observa Luria (1988, p. 27) que:
No começo, as respostas
que as crianças dão ao mundo são dominadas pelos processos naturais,
especialmente aqueles proporcionados por sua herança biológica. Mas através da
constante mediação dos adultos, processos psicológicos instrumentais mais
complexos começam a tomar forma. Inicialmente, esses processos só podem
funcionar durante a interação das crianças com os adultos.
Tem-se,
pois, que com o desenvolvimento e crescimento da criança, as relações fala-pensamento
passam na teoria de Vygotsky dos aspectos verbais e motores que se encontram
misturados no comportamento, acarretando o processo de inclusão dos elementos
referenciais na fala para a conversão orientada pelo objeto, pelas expressões
emocionais e constituição social, adquirindo traços demonstrativos das
distinções que serão promovidas entre a criança e o mundo ao seu redor,
passando da execução da ação para a organização do comportamento. Tal condução,
segundo Luria (1988), reflete a convicção de que a aquisição da linguagem
desempenha papel decisivo no desenvolvimento dos processos psicológicos
superiores. Essa
interação, conforme visto por Bastos e
Pereira (2014) e Aguiar (2009), é uma mediação que se processa pela
utilização de instrumentos e signos na transformação do meio e dos sujeitos.
Leontiev
(1988, p. 121) chama atenção para o fato de que “Durante esse desenvolvimento
da consciência do mundo objetivo, uma criança tenta, portanto, integrar uma
relação ativa não apenas com as coisas diretamente acessíveis a ela, mas também
com o mundo mais amplo, isto é, ela se esforça para agir como um adulto”. Em
vista disso, defende Vygotsky (2003) que a criança tem uma forma distinta de
elaborar conceitos e é com a aprendizagem da fala que começa na criança um
processo de construção de conceitos que só se completará na puberdade.
Acrescenta Vygotsky (1988, p. 114) que “Com a linguagem interior e o pensamento
nascem do complexo de inter-relações entre a criança e as pessoas que a
rodeiam, assim essas inter-relações são também a origem dos processos volitivos
da criança”. Por isso, o autor em comento vai destacar a importância da
atividade artística teatral como contribuinte para o desenvolvimento da
linguagem da criança. Principalmente, segundo Werneck (2011), Japiassu (1998), Japiassu (2014) e Japiassu (1999), pelo fato de que a teoria de
desenvolvimento intelectual e proximal de Vygotsky enfatiza a aplicação do teatro na sala de aula pela
criação de contextos sociais e por meio do domínio das tecnologias da
comunicação e representação, que possibilitam trocas de experiências e jogos no
envolvimento de ideias para novos conhecimentos que se formam pelos
procedimentos da acomodação e assimilação, equilibrando as informações
possuídas e as descobertas. É que na perspectiva
sócio-histórica e antropológica, no dizer de Souza (2005), a arte é uma atividade social, humana, que supõe contextos sociais e
culturais, a partir dos quais a criança recria a realidade através da
utilização de sistemas simbólicos próprios.
O TEATRO NO DESENVOLVIMENTO
DA LINGUAGEM INFANTIL - O
teatro, para Koudela (1984), é o conjunto da organização de ações e transmissão
de mensagens. É o teatro, conforme Centurião (2014), linguagem com códigos,
gramática e vocabulário próprio e que se expressa pela fala, gesto,
representação, encenação. Em síntese, no dizer de Boal (1979), o teatro é a
linguagem humana por excelência.
Por
ser uma arte milenar, segundo Vasconcelos (2014, p. 3), o teatro “[...] proporciona através da representação um diálogo universal a partir da
emersão de questões pertinentes a humanidade”.
A
função do teatro, no dizer de Reverbel (1979), é de divertir instruindo e que
pode ser utilizado como recurso didático na atividade educacional. Em vista
disso, o teatro infantil, na expressão de Camarotti (1984, p. 13), é a modalidade
teatral “[...] que se destina ao público composto primordialmente por crianças”
e para a criança, sendo, portanto, uma arte que engloba muitos recursos, desde
a boa comunicação até a atuação de todas as demais linguagens utilizadas no
processo de encenação de um espetáculo, procurando, com isso, efetuar uma
comunicação direta com a criança.
Os
Parâmetros Curriculares Nacionais, conforme Arcoverde (2014) e Cavassin (2008),
propiciam que a abordagem dramática seja uma importante base para o
desenvolvimento da educação criativa, por ter o objetivo de desenvolvimento
mental e psicológico, desempenho da verbalização, capacidade de responder às
situações emergentes e capacidade organizadora de domínio do espaço e tempo do
aluno.
Os
PCN de Artes para Educação Infantil, conforme Brasil (1998), assinalam que o
teatro possui a função integradora, contribuindo no processo de aprendizagem
que oportuniza a socialização entre as crianças, compartilhamento de brinquedos
e construção de conteúdos culturais e sociais mediante as trocas e
experimentações que integram linguagem, memória, imaginação, raciocínio,
percepção, intuição e emoções.
Consta
das referências curriculares, Brasil (1998, p. 134) que:
[...] A ampliação da capacidade das crianças de utilizar
a fala de forma cada vez mais competente em diferentes contextos se dá na
medida em que elas vivenciam experiências diversificadas e ricas envolvendo os
diversos usos possíveis da linguagem oral. Portanto, eleger a linguagem oral
como conteúdo exige o planejamento da ação pedagógica de forma a criar
situações de fala, escuta e compreensão da linguagem. Além da conversa
constante, o canto, a música e a escuta de histórias também propiciam o
desenvolvimento da oralidade. A leitura pelo professor de textos escritos, em
voz alta, em situações que permitem a atenção e a escuta das crianças, seja na
sala, no parque debaixo de uma árvore, antes de dormir, numa atividade
específica para tal fim etc., fornece às crianças um repertório rico em
oralidade e em sua relação com a escrita.
Em
vista disso, as diretrizes curriculares para a educação infantil, proposto pelo
Parecer CNE/CEB 22/98 estabelecem que:
As propostas pedagógicas para as instituições de Educação
Infantil devem promover em suas práticas de educação e cuidados a interação
entre os aspectos físicos, emocionais, afetivos, cognitivo-linguístico e
sociais da criança, entendendo que ela é um ser total, completo e indivisível.
Dessa foram, ser, sentir, brincar, expressar-se, relacionar-se, mover-se,
organizar-se, cuidar-se, agir e responsabilizar-se são partes do todo de cada
indivíduo, menino ou menina, que desde bebês vão, gradual e articuladamente,
aperfeiçoando esses processos nos contatos consigo mesmos, com as pessoas, as
coisas e o ambiente em geral (BRASIL, 2001, p.; 20).
Já
entre os blocos de conteúdos expressos pelos PCN no Ensino Fundamental, está o
entendimento do teatro como comunicação e produção coletiva, especialmente no
tocante à linguagem por meio de narrativas e descrições de objetos, ambientes,
situações, dramatizações, improvisações, enfim, exercícios que possibilitem que
a criança externe por meio da voz e do movimento seus sentimentos e
criatividade, vivenciando diferentes papéis, ampliando a imaginação (BRASIL,
1997; BRASIL, 2014). Evidencia-se com isso que a atividade teatral, seja na
Educação Infantil ou nas séries inicias do Ensino Fundamental, contribui para o
desenvolvimento da comunicação, expressão, potencialidades e habilidades na
criança.
As
vantagens obtidas com a atividade teatral na sala de aula, segundo Reverbel
(1979), Arcoverde (2014), Silva
(2014), Ferreira (2014), Santos e Santos (2014) e Araújo e Figueiredo (2014), englobam o desenvolvimento da oralidade,
desenvolvimento do vocabulário, a impostação da voz, desinibição e aquisição de
autoconfiança, entrosamento com as pessoas envolvidas propiciando contatos mais
estreitos, incentivo à leitura, desenvolvimento de habilidades, estimulação da
imaginação e organização do pensamento, a expressão corporal, entre outras
tantas e importantes promoções incentivadoras.
Trata-se,
todavia, de uma atividade artística que se renova e utiliza recursos técnicos
visando estabelecer uma comunicação com a criança por meio de uma linguagem que
encante, maravilhe, conduza à imaginação, ao faz de conta e à interação com a
realidade e a fantasia. Ao mesmo tempo, por meio de experimentos e recreações,
proporciona à criança participação no jogo teatral, no drama, na brincadeira e
na interação comunicativa com outras crianças. Tal embasamento se encontra em Vygotsky
(2009, p.17), ao mencionar que: “[...] as brincadeiras infantis têm um papel
primordial em seu processo de criação, pois as crianças conseguem uma melhor
expressividade através delas”. Nessa perspectiva, as crianças ao se expressarem
por meio do teatro utilizando a linguagem, recombinam experiências reais ao
criarem suas próprias histórias de faz de conta de forma experimental com a
capacidade de expressar sínteses combinatórias no desenvolvimento em processo. Por
essa razão Souza (2005, p. 83) observa que:
A arte de uma criança é o seu próprio reflexo. Ela aprende, na medida em
que organiza sua experiência. O desenho é uma oportunidade de converter o
pensamento adulto. A arte pode proporcionar não só a oportunidade de
desenvolvimento em muitas áreas, mas, também o ensejo de a criança inventar, experimentar,
investigar, cometer erros, sentir medo e aversão, amor e júbilo. Por fim, a
criança deve essencialmente, por si mesma, ter todas essas experiências da
vida. Vygostsky nos ajuda a
compreender a importância dos aspectos culturais de cada sociedade ou, a
relevância da função da interação sócio-cultural como elemento constituinte do
desenvolvimento cognitivo infantil e, também, do diálogo e do trabalho
coletivo, levando as crianças para humanização. Ao nascer, a criança se integra
em uma história e uma cultura.
Nesse âmbito, observam Porto e Kafrouni (2013) que o teatro é
identificado como facilitador da estimulação da linguagem para interação social,
ao possibilitar à criança movimentar-se, testar, expandir e expressar suas
emoções, sentimentos e observações. Pactuam dessa ideia Oliveira e Stoltz (2010) ao entenderem que entre as modalidades
artísticas, o teatro é particularmente interessante quanto às possibilidades de
interação, internalização da cultura, uso da palavra e expressão afetiva.
Meritório mencionar que o objetivo básico da atividade teatral, conforme Reverbel
(1979), é desenvolver a linguagem e a autoexpressão da criança pelo
oferecimento de atuação efetiva no mundo e auxiliando no crescimento afetivo,
motor e cognitivo, trazendo benefícios que vão desde as descobertas de si
próprio, como do outro e do mundo. Com isso, a realização de atividades teatrais
pode ser de grande valia no desenvolvimento da criança e do adolescente. É no
teatro que, segundo Oliveira e Stoltz
(2010), pode-se trabalhar a elaboração da fala, da linguagem utilizada,
da expressão emocional verbalizada, propiciando conscientização e melhor
compreensão da língua, das palavras, seus sentidos e significados e dos
conceitos científicos. Além do mais, defendem as autoras que com o teatro é
possível assimilar e aprender conteúdos das mais diversas disciplinas, além do
uso da linguagem, de ações nas representações, na mobilização da imaginação e da
criatividade, na realização em determinado tempo e espaço e com determinados
sujeitos tornando-se um universo peculiar de interação social e de manifestação
da cultura que pode cumprir diferentes objetivos. Expressam Scheifer e Oliveira (2014) que para Vygotsky o
teatro está intimamente ligado com o jogo, com o brincar da criança. Nessa
condução, observa Fichtner (2010) que o jogo teatral se insere como atividade
de caráter dialógico que estimula a criatividade para o aprendizado e favorece
o tratamento da saúde por meio da representação do mundo, da prática
transformadora e encontro com a vida por meio da apropriação do ato criativo
proporcionado pelo teatro.
Há que se entender que o jogo, conforme
Huizinga (2000), é uma atividade voluntária e livre, uma evasão da vida real,
desinteressado, um acompanhamento, complementar e integrante da vida em geral,
ornamentando-a, ampliando-a, tornando-se uma necessidade para o individuo como
função vital e para a sociedade pelo sentido que encerra como função cultural.
Para Koudela (1984, p. 33) “A criança
evoca, no jogo, uma conduta na ausência de seu objetivo habitual, transformando
o esquema sensório-motor em esquema simbólico. O jogo reforça a passagem da
representação em ato para a representação em pensamento”. Acrescenta Camarotti
(1984, p. 27) que “[...] o jogo serve à criança para preencher suas
necessidades através da experiência e da construção de uma outra experiência
pela imaginação”.
Também
há que se destacar que o jogo do faz de conta, conforme Silva (2014),
possibilita o equilíbrio intelectual e afetivo para compreensão do mundo, pela
expressão espontânea ou pela imitação da criança no seu tempo e espaço.
Desenvolvido por meio de uma atividade teatral essas manifestações construirão
o jogo simbólico da linguagem, do conhecimento e das interações entre o
individual e o coletivo.
Já
os jogos teatrais, conforme Santos e Santos (2014), promovem o desenvolvimento
de processos de aprendizagem pela utilização do lúdico que leva à participação
ativa e experimentações que enriquecem habilidades e superam limitações. As
contribuições são fundamentais por sua função recreativa que auxiliam
diretamente no processo de ensino e aprendizagem. São recursos capazes de
proporcionar o prazer de brincar e aprender ao mesmo tempo, desenvolvendo
habilidades e potencialidades, promovendo interação e iniciativa, domínio da
comunicação e desenvolvimento interativo da linguagem, experiências emocionais,
crescimento pessoal, enfim, criando condições para maiores e mais amplos processos
de construção do conhecimento.
Com
relação às brincadeiras, conforme Araújo e Figueiredo (2014), as crianças
assimilam e se apropriam da realidade humana, elaborando soluções, construindo
hipóteses e enriquecendo sua personalidade. Essas brincadeiras mudam com o
desenvolvimento das etapas de crescimento da criança. É o que é
encontrado em Vygotsky (2009, p. 99) ao expressar que “[...] a criação teatral
está muito próxima do brincar da criança, mais do que qualquer tipo de criação.
Ambas emergem como formas de atividade que possibilitam a apropriação de
diversos papéis sociais”. Com isso, para o autor epigrafado, o teatro tem papel
imprescindível em todo processo de desenvolvimento da criança. Tem-se, por isso, que o desenvolvimento da atividade teatral
na sala de aula proporciona à criança a utilização das mais diferentes formas e
modos da linguagem verbal, bem como a escrita, corporal e plástica, permitindo
a expressão das suas experiências e vivências, experimentações emocionais,
integrações e aprendizagens que englobam comunicações e expressões para suas
interações sociais. Mais ainda, a atividade teatral possibilita na criança o
trabalho da linguagem verbal para expressão de suas próprias experiências e
vivências ao oportunizar a seleção, classificação e sequencias de termos e
brincadeiras com argumentação de ideias e pontos de vista, na resolução de
problemas, participação e envolvimento que promovem a autonomia, o respeito a
si e ao outro.
Constata-se
que por meio de atividades de contação de história, conforme Boal (1979),
Spolin (1979), Cascudo (1984), Boal (1983), Bueno (1958), Koudela (1984),
Courtney (1980), Coelho (1973), Goldstein (1991) e Reverbel (1979), existem
diversas formas de abordagens, técnicas e estratégias na atividade teatral,
adequadas à idade e à linguagem da criança, voltadas para seu desenvolvimento,
especialmente ao que tange à oralidade, enriquecimento de vocabulário,
expressão vocal. Por meio dessa atividade pode-se exercitar a califasia,
califonia e calirritmia com jogos teatrais de pergunta e resposta, diálogos,
charadas, brincadeiras de agilidade verbal e do espontâneo faz de conta, rimas,
versificações, anáforas, leitura coral, jogo de palavras, jogral,
trava-línguas, onomatopeias, silabações, brincadeiras de boca de forno, exercício
de blablação, frases feitas, adivinhações, mnemônias, entre outros recursos
orais de exercícios vocais e linguísticos. Tais atividades podem se desenvolver
em decorrência de rodas de conversas formais e informais, leitura, discussões,
imitações, entoações e cantorias, versificações, enunciações verbais,
exteriorização de fantasias, desinibições, fantoches, pantomimas, esquetes,
jograis, narrativas de viagens, de brincadeiras ou de experiências vividas. Em
vista disso, conforme a revisão da literatura realizada, o teatro possibilita o
desenvolvimento da expressão e comunicação, de assimilação, decifração e
contextualização da realidade por meio do diálogo, socialização e da cooperação
que inclui o outro na relação grupal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS - Procurou-se evidenciar no presente artigo
de que forma o teatro contribui para o desenvolvimento da linguagem da criança,
investigando-se essas contribuições a partir da teoria histórico-cultural de
Vygotsky.
Por
conta dos estudos realizados, observou-se que na atividade teatral a criança
terá diante de si uma das mais antigas atividades artísticas e manifestações
culturais da humanidade, e que, por sua representação estética, social e
educativa, contribui para o desenvolvimento da comunicação e expressão por meio
do diálogo e da interação coletiva, tornando-se indubitavelmente importante
recurso pedagógico e didático para o desenvolvimento da criança.
A
sua contribuição se dá em virtude de proporcionar experiências as mais diversas
e novas, utilizando-se de jogos, imitações, brincadeiras e interações que
formarão o suporte ideal para a formação e a
identidade da criança, sua trajetória na vida social e nos mais diversos
aspectos do seu integral crescimento. Em
vista disso, é por intermédio da atividade teatral que a criança poderá melhor
desenvolver sua capacidade de comunicação, fato que faz com que se confirme a
hipótese de que por meio de suas técnicas e métodos, a atividade teatral
contribui devidamente para o desenvolvimento da linguagem da criança.
O
presente estudo não se esgota aqui. Por extensão, pretende-se desenvolver uma
pesquisa de campo com realização de atividades teatrais em sala de aula,
aferindo-se por meio da identificação de opiniões de professores da Educação
Infantil e primeiras séries do Ensino Fundamental de escolas públicas, logo
após a realização das atividades, a percepção dessas contribuições.
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Trabalho apresentado por exigência da disciplina Psicologia do Desenvolvimento,
ministrada pela Professora Ms Fátima Pereira.
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