Saturday, January 10, 2015

PAIS, MÃES, CRIANÇAS E BRINQUEDOS....


Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem pra me dar a mão
(Bola de meia, bola de gude, Milton Nascimento/Fernando Brant)

PAIS, MÃES, CRIANÇAS E BRINQUEDOS....

Luiz Alberto Machado

Desde menino que eu sempre fui de brincar – isso, ainda hoje: um cinquentão que não passa de um menino travesso dos tempos de antanho, avalie! Minhas irmãs que o digam, elas sabem.

As minhas brincadeiras da meninice era rodar pião, virar bundacanasca, burra-cavalo (uma cabeça de cavalo de plástico enfinhada num cabo de vassoura!), esconde-esconde, soltar papagaio (maior pipa enrolada nos galhos das árvores no quintal!), me atrepar no pé de goiabeira, jogar rolimãs e ximbras, plantar bananeira, travessuras muitas, aprontações e reinações de um menino traquino: demais.

Quando não era Pai Lula todo dia com um brinquedo novo pra mim: bonecos de barro, cataventos, Mané-gostoso, bolas e jogos de todos os tipos. E melhor ainda quando ele me sentava no seu colo e começava a contar umas histórias inventadas que eram para lá de engraçadas. Sempre adorei ouvir estórias. Minha avó Benita também, que não sabia história alguma, inventava umas bem doidinhas que eu morria de rir e, na hora de dormir, eu não pregava o olho querendo mais, até ela me dar uns bregues e eu ter de dormir a pulso.

Claro que eu tinha um amigo invisível com quem eu brincava de super-herói! E com esse amigo eu trelava de tudo, amarrando uma toalha qualquer no pescoço e inventando de querer voar. E como brincava...

Nunca fui achegado às armas. Muito embora, quando eu estava pelos quatro anos de idade, o Exército houvera instalado um batalhão num prédio vizinho da minha – isso era 1964 e aqueles anos tenebrosos - e eu via os soldados com aquelas coisas que não me chamavam atenção. Meu pai, mesmo possuindo posses e sendo colecionador de armas, nunca me dera a oportunidade de ter a atenção desviada para isso. E como lá em casa possuíamos a única televisão da rua, a meninada toda queria mesmo era assistir desenhos animados.

Na verdade eu, quando menino, era mesmo como o Walter Benjamim dizia: Sabemos que para a criança ela é a alma do jogo; que nada a torna mais feliz do que o “mais uma vez”. [...] Para ela,porém, não bastam duas vezes, mas sim sempre de novo, centenas milhares de vezes”. E era mesmo: eu tinha a cabeça nos ventos, a imaginação à solta, inventando todo dia como e o que brincar. Eu e o meu amigo invisível.

Fiquei feliz mesmo com O meu pé de laranja lima, do José Mauro Vasconcelos, quando descobri que não só eu, mas também o Zezé tinha um amigo invisível e conversava com as plantas e árvores. Talqualzinho eu. E, como eu disse, ainda hoje sou menino e ainda tenho os meus brinquedos que são, evidentemente, muito diferentes dos de hoje em dia. Mas gosto de brincar com as crianças de o que é-que é, adivinhas, trava-línguas, encenações inventadas, coisas e coisas que eu fazia quando era menino mesmo. Por isso, hoje sou mais Nitolino que eu mesmo.

Achei superinteressante quando a Eliete Lemos Cardoso disse: “A brincadeira contribui para o processo de socialização das crianças, oferecendo-lhes oportunidades de realizar atividades coletivas livremente, além de ter efeitos positivos para o processo de aprendizagem e estimular o desenvolvimento de habilidades básicas e aquisição de novos conhecimentos. As brincadeiras aparentemente simples são fontes de estímulo ao desenvolvimento cognitivo, social e afetivo da criança, e também é uma forma de auto expressão. Talvez nem todos os professores tenham percebido ainda o quanto é importante o brincar para o desenvolvimento físico e psíquico do seu aluno. A ideia difundida popularmente limita o ato de brincar a um simples passatempo, sem funções mais importantes do que entreter a criança em atividades divertidas”.

Aí veio a Ana Marta Meira que me chamou a atenção para: “[...] Suspender o tempo e brincar é hoje um ato de extremo desafio que as crianças tem de enfrentar frente à avassaladora rede de aparelhos virtuais que invadem sua vida, anestesiando seus movimentos corporais e seu pensamento [...] O brincar é tecido por histórias e a travessia pelos brinquedos feitos com arte, elaborados com as mãos das crianças e dos adultos que as cercam, representa uma via possível de construir suas bordas. Brinquedos artesanais que se encontram nas primitivas formas de brincar que as crianças buscam e que paradoxalmente hoje lhes são subtraídas: a água, a terra, a areia, as folhas, as pedras, o papel, e tantos outros materiais que se encontram nas inúmeras vias invisíveis por onde elas transitam em seus exercícios de invenção. Materiais que são colados pelas palavras, gestos, histórias, narrativas, que tecem sua forma fundando uma obra ali onde apenas havia objetos”.

Por isso Ruy Rocha faz a seguinte indagação: “[...] Mas o que afinal está acontecendo? A violência teria tomado conta do cotidiano humano? Por que tanto avanço tecnológico não atenua os gravíssimos problemas que despontam ininterruptamente mundo afora? [...] Talvez a resposta esteja associada com a perda momentânea dos referenciais que norteiam a humanidade [...].

Pois é, as nossas crianças, os nossos filhos... Por isso recolho as palavras de Jean Berry Kosht:  “[...] Vejo-os na tenra idade, com apenas três anos, portando cinturões, bainhas para espadas e pistolas, com suas roupas, ao se vestirem pela manhã, podendo ficar com os ornamentos até o anoitecer, quando cada corpinho cansado se prepara para ir dormir, após um longo e cansativo dia, brincando de assaltos e assassinatos. Há vários anos assisto essa lamentável ocorrência, predominante em todos os lugares. [...] Elas pensam na linguagem do criminoso. Vemos com frequência uma criança surgir por de trás de um arbusto e com firme objetivo, comandar um “assalto!” [...] Os pais dessas mesmas crianças não pensam por um instante antes de comprar um kit de equipamentos de ladrão, permitindo-lhes a prática de arrombamento de fechaduras ou de janelas. As crianças logo se cansam das armas de brinquedo. Começam a querer armas de fogo de verdade, munições reais e experiência concreta. E tudo o que aprendem nos filmes e em seus próprios quintais, naturalmente asseguram-lhes maior eficiência. [...] Que comportamentos estamos construindo em nossos adolescentes? Que futuro estamos construindo para nós mesmos? [...] Espero que consiga imprimir as próximas quatro linhas nas mentes e no interior dos corações das mães e dos pais, especialmente daqueles que têm crianças em seus lares, sendo responsáveis pelo futuro de seus filhos: Mantenha uma oração em seu coração para guiar-lhe, faça da sua vida um exemplo de verdade, os caminhos de um homem são moldados na casa onde ele passa sua juventude [...] Isso poderia ser feito antes os bebês de hoje se tornem os homens do amanhã.

Por fim, trago o eminente Harvey Spencer Lewis nos chamando à reflexão: Coloque-se no lugar de uma criança que não pediu para vir ao mundo, que nada sabe das tristezas e amarguras ou das possíveis alegrias e felicidade [...].

Da minha parte, reitero: sou mais Nitolino que eu mesmo, desde sempre.

REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre o brinquedo, a criança e a educação. São Paulo: 34, 2002.
CARDOSO, Eliete. A importância do jogo e do brincar para o desenvolvimento da criança. Porto Alegre: UFRGS, 2010.
KOSHT, Jean Berry. Crianças e brinquedos. O Rosacruz, inverno 2013.
LEWIS,  Harvey Spencer. Ao menor destes... O Rosacruz, primavera 2013.
MEIRA, Ana Marta. Benjamim, os brinquedos e a infância contemporânea. Psicologia & Sociedade; 15 (2): 74-87; jul./dez.2003
ROCHA, Ruy. O retorno dos heróis. O Rosacruz, inverno 2014.

Veja mais aqui e aqui