Monday, January 05, 2015

A LENDA DO MORRO PINTADO


Imagem: J. Lanzellotti


Era de manhã, Nitolino mais que avexado, gritava:

- Pai Lula! Pai Lula!

- Que foi, mô fio? -, respondeu-lhe Pai Lula.

- Onde é que fica o Morro Pintado?

- Ah, chame a meninada que eu digo onde é que fica!

Oxe, Nitolino inheto como sempre, saiu no maior alvoroço chamando toda recada.

Daí a pouco estavam todos aboletados no alpendre da casa, quando Pai Lula começou:

É um morro encantado, no cimo do planalto onde, das liquências das cabeceiras, escorrem as nascentes. Dizem: nos seus arredores o ouro e as pedras preciosas são abundantes, encontradas entre as raízes das gramas e do arvoredo; no aluvião das enxurradas, se encravam as pepitas e os carbonatos. Nas locas profundas amontoam-se tesouros incalculáveis. Feliz de quem encontrar o Morro Pintado. Será rico e poderoso...

- Eu quero!!!! -, gritou Nitolino.

- Eu também!!!!! -, gritou Bichim.

- Eu sei onde é que é! -, gritou Alvoradinha.

- Cala boca, meninos, senão Pai Lula não conta a estória... -, ralhou Ísis, ávida por saber de tudo.

E Pai Lula continuou:

Esta estória, meus caros, revive nas quadras das calamidades. Quando o flagelo das enchentes, das secas, das pestes e das guerras empobrece as populações, grupos se formam e inimigãos se vão em procura da fortuna encantada!...

E se vão, fortes na coragem e na esperança, sertão adentro até que o Morro de repente aparece distante e azul na linha da campina. E começa. Doidos de alegria, correm para lá, e quanto mais apressam o passo mais ele se distancia na lonjura, até que o sol se some e a escuridão cobre tudo...

... E vem outro dia. O Morro que estava ao sul reaparece no norte, mais longe, mais azul e eles se vão e a noite torna a voltar...

Mal o dia desponta, o sol ilumina e o encanto se repete: do norte ele se muda para o leste e as cabeças se desnorteiam. É preciso comer: a água está secando nas cabaças; no fundo dos bornais só restam duas rações e a marcha recomeça. O bafo da campina é uma febre e o Morro vai se afastando mais e mais, até ficar como uma sombra até que a noite vem toldar tudo...

E os homens, tomados pelo delírio, resolvem: É preciso andarmos toda a noite no rumo certo e se vão. A água acabou; comerão a última ração ao amanhecer, e o sol vem lhes mostrar: o Morro reaparece no sul, atraindo-os.

O mais forte fala aos companheiros: “Amigos, o encanto é uma fome, e nutre-se do sofrimento e da impiedade para satisfazer os dignos da fortuna”.

Precipitando as miragens, o vulto cinzento embelezava-se na planície; a gula é o um cio e dança como a sombras da luz no silêncio das lagoas. Os mais fracos tombavam e a marcha continuava acelerada. A alucinação revigora; o Morro vai ficando perto, mais perto, e já distinguem os seus talhados, os pés de pau, a boca das locas protegidas de treva. Avançam, mais velozes, e a noite, à frente, vai cobrindo tudo... e lá vão...

Misericórdia! Disparam, não podem parar! Desgraçados dos que ficam para trás...

Alguns se levantam e se torcem como se participassem da tragédia da narrativa do velho Gorgonho exalatdo. - ... E foi-se a noite e a campina abriu-se na manhã iluminada, tudo debalde. O Morro Pintado desapareceu e cá embaixo, distante, como um rasto de farinha na verdura, era o rio São Francisco escorrendo. A teatralidade do velho impressionava Olindo. De mãos no queixo, a assistência espera ainda. Velho Gorgonho, tomando fôlego, concluiu debilitado:

- Só um vaqueiro, vagueando perdido, venceu o encanto. Viu o morro e como precisava se orientar, seguiu para lá. Galgou as ladeiras e de cima descortinou uma paragem diferente: de plantações amadurecidas na safra, com rebanhos pastando e os pomares carregados de fruta. No meio da verdura a marcha caiada das povoações, era um convite. Satisfeito, desceu. Como tinha fome furou uma colmeia e comeu o mel. Para limpar o facão, arrancou uma moita de capim e as raízes estavam brilhando de pepitas de ouro, e pedras preciosas. Deu-se o desencanto... e ele encheu o surrão e tornou-se rico e feliz. E só.

FONTE
CASTRO, Osório Alves. Porto calendário. In: DANTAS, Paulo. Estórias e lendas do norte e nordeste. São Paulo: Edigraf, s/d.

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