Wednesday, December 17, 2014

A DESCOBERTA DO MILHO


Uma índia, ao banhar-se com seu netinho, sentiu alguma coisa tocar-lhe o ombro.

Falando como se fosse gente, um camundongo disse à velha índia:

- Vovó, não me desprezes que eu te mostrarei uma novidade!

Assim dizendo, deu-lhe um grão de milho, coisa que naquele tempo era desconhecida, pois até então os índios comiam orelha-de-pau (urupê) e farelo de certas árvores em decomposição.

A velha provou o milho e gostou. Então, o camundongo ofereceu-se para levá-la ao mato e mostrar-lhe o lugar onde encontrara aquele grão. Lá foram. Ela ficou muito admirada ao ver o chão estivado de grãos amarelos e vermelhos. Como poderia haver ali tanta abundancia sem que ninguém jamais tivesse notado? E o curioso era que não se podia dizer de onde tais sementes tinham vindo, fossem folhas, espigas ou sabugos. Vai ver que tinham caído do céu!

Levou um punhado delas para a aldeia; os velhos as examinaram e lhes deram o nome de “semente de capim”. Dali por diante, todos os dias, as mulheres iam para o mato ajuntar milho.

Mas alguém descobriu que aqueles grãos caiam de uma árvore muito copada cujos ramos cobriam uma roda de muitas braças. Lá em cima, bandos de araras e macacos comiam debulhando as espigas, deixando o milho cair no chão.

Diante dessa noticia, os índios se reuniram em assembleia e, depois de muito discutir, resolveram derrubar a árvore. Mas o seu tronco era tão grosso que um dia de trabalho não bastou para botá-lo abaixo. E olhem que os machados eram muitos!

Na manhã seguinte, tiveram uma surpresa. Ao retomar o trabalho, viram que o corte da véspera tinha cicatrizado, isto é, tinha desaparecido. Só então compreenderam que a árvore era encantada. Diante desse contratempo, os índios resolveram reunir todas as suas forças, para terminar a tarefa até o pôr do sol.

Nas conversas, alguém se lembrou de um machado que deixara em casa. Mandaram logo dois meninos, a toda pressa, para trazê-lo.

Estes, porém, a meio caminho encontraram um mucura, num pé de marajá. Os emissários resolveram matá-lo e comê-lo. Assim fizeram. Mas quando terminaram o bródio sentiram-se tão velhos e fracos que o machado se tornou para eles pesadíssima carga. Tiveram um trabalhão para levá-la até a derrubada.

Quando a árvore deu mostras de cair, os índios fizeram uma bonita festa, dançando à sua roda até que ela estalou e, com estrondo, desabou por terra. Desde esse dia, os índios conservam a preciosa semente.

Todos os anos as aldeias celebram a festa do milho, executando as mesmas danças e cantando as mesmas cantigas que seus avós inventaram no dia em que derrubaram a árvore encantada.

Os meninos não se curaram da velhice, embora os pajés tudo fizessem para rejuvenescê-los. Por isso, ninguém come mais carne de gambá.

Afirmam os índios que, antes da descoberta do milho, eles eram relativamente poucos. Falavam a mesma língua e viviam como um só rebanho. Mas, tendo encontrado esse cereal que seria o forte de sua alimentação, dividiram-se em tribos e cobriram toda a face da terra. E ficaram fecundos como o milho.

(Recolhido de Horace Banner, Mitos dos índios Caiapó, Revista de Antropologia, vol. 5, nª 1, São Paulo, 1957. In: Herbert Galdus, Estórias e lendas dos índios, São Paulo: Edigraf, s/d)).

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