Alvoradinha
atendeu o chamamento do Nitolino para explicá-lo como tudo apareceu no mundo. O
curumim caeté apertou os olhos e começou a narrar uma lenda tupinambá:
Monã
criara o céu, a terra, os pássaros e outros animais. A terra era uma planície
sem montanhas nem mares, pois tudo isso surgiria depois.
Os
povos viviam em paz, gozando dos benefícios da obra do criador; mas com o
tempo, os homens entregaram-se a tais desatinos que começaram a desprezar o
próprio Monã, que residia entre eles.
Ofendido,
Monã afastou-se dos homens e enviou à terra o fogo celeste que destruiu todos
os seus viventes e revolucionou a crosta terráquea, formando montanhas e vales.
No caos, salvou-se apenas Irin-majé que, transportado para o céu, aplacou as
iras de Monã; este compadeceu-se dos homens e derramou na terra copiosas chuvas
que extinguiram o fogo, criando os rios e outras águas. O mar ainda hoje
conserva a salinidade produzida pela combustão das rochas.
Irin-Majé
convencera a Monã de que nada lhe serviria viver sozinho num mundo desabitado.
Diante disso, Monã deu uma companheira a Irin-majé e do novo casal surgiu a
atual humanidade. Então nasceu um grande profeta, homem sobrenatural a quem,
por suas maravilhosas obras, foi dado o nome de Maire-monã. Este, graças às
mesmas metamorfoses e aos mesmos poderes mágicos de Monã, de quem era servidor,
encheu o mundo de animais diferentes para cada região.
No
entanto, apesar de tantas dádivas, logo depois os homens recaíram na
ingratidão; chegaram mesmo a pensar em aniquilar o seu benfeitor, pois
Maire-monã com o seu poder de transformar gente em bicho, trazia os homens em
desassossego. Para liquidá-lo, reuniram-se todos em certo local e ofereceram a
Maire-monã uma festa à qual o grande caraíba não tardou em comparecer, embora
suspeitando das intenções de tal convite.
Lá
chegando os homenageantes induziram-no a transpor, sem queimar-se, três grandes
fogueiras. O caraíba venceu a primeiro prova. Mas ao saltar a segunda foi
consumido pelo fogo. Sua cabeça, porém, explodiu, chegou até o céu, originando
os raios e trovões, que são os símbolos de Tupã. Veio o dilúvio universal. E
logo depois Maire-monã subiu ás nuvens e transformou-se em luminosa estrela.
Para
os Tupinambá, esse Maire-monã era um anacoreta ou solitário, embora vivesse
rodeado de discípulos ansiosos por suas palavras e ensinamentos. Tinha poderes
ilimitados; dominava as forças naturais e conhecia profundamente os exorcismos
mágicos-religiosos.
Ele
introduziu entre os tupinambá a cultura da mandioca e diversos costumes como a
tonsura, a epilação e os ritos do nascimento. Desaconselhou-os de comer os
animais pesados e lerdos recomendando, ao contrário, a carne dos animais ágeis
e valentes. Ao mesmo tempo ensinou-os a distinguir entre os vegetais daninhos e
os úteis. E disseminou o uso do fogo que, até então, era conservado nas
espáduas da preguiça.
Contaram
os tupinambá que, sobrevindo uma longa estiagem, Maire-monã tomara, por
compaixão, a forma de uma criança. Bastava bater nela para caírem chuvas que
regavam as plantas esturricadas.
Entre
os descendentes de Maire-monã um houve que se chamou Sommai, o qual teve dois
filhos: Tamendonare e Ariconte, que eram inimigos. o primeiro era um pacifico
pai de família, sempre entregue à sua lavoura; o outro, porém, só cuidava da
guerra e sonhava reduzir à servidão os seus companheiros.
Certo
dia, Ariconte cheio de arrogância, atirou na choça de Tamendonare um troféu de
guerra, e este, repelindo o agravo, pôs-se a golpear o chão, fazendo jorrar uma
impetuosa torrente. Quando o dilúvio provocado pelo jorro ameaçava cobrir a
face da terra, subiram ambos com suas esposas, ao cimo das árvores. Tamendonare
escolheu a pindoba e Ariconte o jenipapeiro. Desses dois casais sobreviventes
do dilúvio, provieram, respectivamente, os Tupinambá e os Temiminó.
FONTES:
PINTO,
Estêvão. Muxarabis & balcões. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958.
GALDUS,
Herbert (Org.). Estórias e lendas dos índios. São Paulo: Edigraf, 1967.