Monday, November 03, 2014

A CRIAÇÃO DO MUNDO


Alvoradinha atendeu o chamamento do Nitolino para explicá-lo como tudo apareceu no mundo. O curumim caeté apertou os olhos e começou a narrar uma lenda tupinambá:

Monã criara o céu, a terra, os pássaros e outros animais. A terra era uma planície sem montanhas nem mares, pois tudo isso surgiria depois.

Os povos viviam em paz, gozando dos benefícios da obra do criador; mas com o tempo, os homens entregaram-se a tais desatinos que começaram a desprezar o próprio Monã, que residia entre eles.

Ofendido, Monã afastou-se dos homens e enviou à terra o fogo celeste que destruiu todos os seus viventes e revolucionou a crosta terráquea, formando montanhas e vales. No caos, salvou-se apenas Irin-majé que, transportado para o céu, aplacou as iras de Monã; este compadeceu-se dos homens e derramou na terra copiosas chuvas que extinguiram o fogo, criando os rios e outras águas. O mar ainda hoje conserva a salinidade produzida pela combustão das rochas.

Irin-Majé convencera a Monã de que nada lhe serviria viver sozinho num mundo desabitado. Diante disso, Monã deu uma companheira a Irin-majé e do novo casal surgiu a atual humanidade. Então nasceu um grande profeta, homem sobrenatural a quem, por suas maravilhosas obras, foi dado o nome de Maire-monã. Este, graças às mesmas metamorfoses e aos mesmos poderes mágicos de Monã, de quem era servidor, encheu o mundo de animais diferentes para cada região.

No entanto, apesar de tantas dádivas, logo depois os homens recaíram na ingratidão; chegaram mesmo a pensar em aniquilar o seu benfeitor, pois Maire-monã com o seu poder de transformar gente em bicho, trazia os homens em desassossego. Para liquidá-lo, reuniram-se todos em certo local e ofereceram a Maire-monã uma festa à qual o grande caraíba não tardou em comparecer, embora suspeitando das intenções de tal convite.

Lá chegando os homenageantes induziram-no a transpor, sem queimar-se, três grandes fogueiras. O caraíba venceu a primeiro prova. Mas ao saltar a segunda foi consumido pelo fogo. Sua cabeça, porém, explodiu, chegou até o céu, originando os raios e trovões, que são os símbolos de Tupã. Veio o dilúvio universal. E logo depois Maire-monã subiu ás nuvens e transformou-se em luminosa estrela.

Para os Tupinambá, esse Maire-monã era um anacoreta ou solitário, embora vivesse rodeado de discípulos ansiosos por suas palavras e ensinamentos. Tinha poderes ilimitados; dominava as forças naturais e conhecia profundamente os exorcismos mágicos-religiosos.

Ele introduziu entre os tupinambá a cultura da mandioca e diversos costumes como a tonsura, a epilação e os ritos do nascimento. Desaconselhou-os de comer os animais pesados e lerdos recomendando, ao contrário, a carne dos animais ágeis e valentes. Ao mesmo tempo ensinou-os a distinguir entre os vegetais daninhos e os úteis. E disseminou o uso do fogo que, até então, era conservado nas espáduas da preguiça.

Contaram os tupinambá que, sobrevindo uma longa estiagem, Maire-monã tomara, por compaixão, a forma de uma criança. Bastava bater nela para caírem chuvas que regavam as plantas esturricadas.

Entre os descendentes de Maire-monã um houve que se chamou Sommai, o qual teve dois filhos: Tamendonare e Ariconte, que eram inimigos. o primeiro era um pacifico pai de família, sempre entregue à sua lavoura; o outro, porém, só cuidava da guerra e sonhava reduzir à servidão os seus companheiros.

Certo dia, Ariconte cheio de arrogância, atirou na choça de Tamendonare um troféu de guerra, e este, repelindo o agravo, pôs-se a golpear o chão, fazendo jorrar uma impetuosa torrente. Quando o dilúvio provocado pelo jorro ameaçava cobrir a face da terra, subiram ambos com suas esposas, ao cimo das árvores. Tamendonare escolheu a pindoba e Ariconte o jenipapeiro. Desses dois casais sobreviventes do dilúvio, provieram, respectivamente, os Tupinambá e os Temiminó.

FONTES:
PINTO, Estêvão. Muxarabis & balcões. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958.
GALDUS, Herbert (Org.). Estórias e lendas dos índios. São Paulo: Edigraf, 1967.

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