Tuesday, September 02, 2008

LENDAS: ORIGENS DAS PLANTAS



O MILHO

Nos campos começaram a escassear os animais. Nos rios e nas lagoas, dificilmente se via a mancha prateada de um peixe. Nas matas já não havia frutas, nem por lá apareciam caças de grande porte: onças, capivaras, antas, veados, ou tamanduás. No ar do entardecer, já não se ouvia o chamado dos macucos e dos jacus, pois as fruteiras tinham secado.
Os índios, que ainda não plantavam roças, estavam atravessando um período de penúria. Nas tabas tinha desaparecido a alegria, causada pela abastança de outros tempos. Suas ocas não eram menos tristes. Os velhos, desconsolados, passavam o dia dormindo na esteira, à espera de que Tupã lhes mandasse um porungo de mel. As mulheres formavam toda no terreiro e lamentavam a pobreza em que viviam. Os curumins cochilavam por ali, tristonhos, de barriga vazia. E os varões da tribo, não sabendo mais o que fazer, trocavam pernas pelas matas, onde já não armavam mais laços, mundéus e outras armadilhas. Armá-los para quê? Nos carreiros de caça, o tempo havia desmanchado os rastos, pois eles datavam de outras luas, de outros tempos mais felizes.
E o sofrimento foi tal que, certa vez, numa clareira do bosque, dois índios amigos, da tribo dos Guarani, resolveram recorrer ao poder de Nhandeiara, o grande espírito. Eles bem sabiam que o atendimento do seu pedido estava condicionado a um sacrifício. Mas que fazer? Preferiram arcar com tremendas responsabilidades e verem sua tribo e seus parentes morrerem de inanição, à míngua de recursos.
Tomaram essa resolução e, a fim de esperar o que desejava, se estenderam na relva esturricada. Veio a noite. Tudo caiu num pesado silêncio, pois já não havia vozes de seres vivos. De repente, a dois passos de distância, surgiu-lhes pela frente um enviado de Nhandeiara.
- Que desejais do grande espírito? – perguntou.
- Pedimos nova espécie de alimento, para nutrir a nos mesmos e a nossas famílias, pois a caça, a pesca e as frutas parece terem desaparecido da terra.
- Está bem – respondeu o emissário. Nhandeiara está disposto a atender ao vosso pedido. Mas para isso, deveis lutar comigo, até que o mais fraco perca a vida.
Os dois índios aceitaram o ajuste e se atiraram ao emissário do grande espírito. Durante algum tempo só se ouviu o arquejar dos lutadores, o baque dos corpos atirados ao chão, o crepitar da areia solta atirada sobre as ervas próximas. Dali a pouco, o mais fraco dos dois ergueu os braços, apertou a cabeça entre as mãos e rolou na clareira...
Estava morto. O amigo, penalizado, enterrou-o nas proximidades do local.
Na primavera seguinte, como por encanto, na sepultura de Auati (assim se chamava o índio) brotou uma linda planta de grandes folhas verdes e douradas espigas. Em homenagem a esse índio sacrificado em beneficio da tribo, os guarani deram o nome de “auati” ao milho, seu novo alimento.

FONTES:
FERREIRA, Ciro Dutra; SANGUINETTI, Ivo; CORTES, J. C. Paixão; LESSA, Luiz Carlos Barbosa Lessa. Porto Alegre: Centro de Tradições Gauchas/Livraria Pluma, s/d.
LESSA, Barbosa. Estórias e lendas do Rio Grande do Sul. São Paulo: Edigraf, 1960.
SMITH, Afonso. O milho. In: Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro. São Paulo: Edigraf, 1960.

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